Resenha: Mulheres e Poder - Um manifesto - Queria Estar Lendo

Resenha: Mulheres e Poder - Um manifesto

Publicado em 12 de mai. de 2018

Resenha: Mulheres e Poder - Um manifesto

Mulheres e Poder - Um manifesto reúne duas palestras da historiadora e feminista Mary Beard, que foram transformadas em livro. Lançado aqui no Brasil pela editora Planeta, que enos cedeu um exemplar para resenha, este livro é de uma leitura poderosa e necessária.
Sinopse: Uma aula sobre empoderamento feminino Uma das mais respeitadas e conhecidas historiadoras contemporâneas, Mary Beard escreve um verdadeiro manifesto feminista. Baseado em duas palestras proferidas por ela nos últimos anos, O poder das mulheres traça as origens da misoginia desde os tempos antigos e mostra que esse ódio continua tendo voz. A autora apresenta inúmeros exemplos de como as mulheres sempre foram proibidas de terem um papel de liderança na vida civil. De Medusa a Filomena (que teve a língua cortada) passando por Hillary Clinton, Angela Merkel e Dilma Rousseff, Mary Beard faz reflexões inclusive sobre a sua própria trajetória para discutir como o papel feminino precisa ser redefinido na estrutura de poder da sociedade atual. Mais um best-seller da autora de SPQR.
Beard é um nome reconhecido no universo feminista contemporâneo e este foi o primeiro ponto que fez eu me interessar por esse livro. O fato dela trabalhar o silenciamento feminino, ou no caso a associação ao discurso público com a voz masculina, de uma maneira a remeter aos primórdios dos mitos gregos foi uma grata surpresa. Já li alguns livros e artigos feministas - não tantos quanto eu gostaria -, mas nenhum até então tinha abordado a questão do silenciamento feminino por este ponto de vista.
Discursar publicamente era uma -se não a - característica que definia a masculinidade. Ou, para citar um famoso chavão romano, o cidadão masculino da elite poderia ser sintetizado como vir bonus dicendi peritus, "homem de bem, perito na fala".
Como a própria autora escreve, já nos mitos gregos como em A Odisséia percebemos o silenciamento das mulheres por parte dos homens, neste caso o ato de Telêmaco ao mandar a mãe - Penélope - calar-se quando esta se manifesta na frente de um grupo. A voz, principalmente quando em ambientes públicos, sempre foi masculina. Cabe ao homem a tarefa e o dom de discursar, e, portanto, a vida pública e política.


Resenha: Mulheres e Poder - Um manifesto

É a partir de pontos e observações como este que a autora traça paralelos, desde a Grécia Antiga até os dias atuais, explicando como sempre foi negado o poder da oratória às mulheres. Que tal um pequeno teste: pense sobre os grandes discursos da história, pensou? Agora me diga quantos deles foram proferidos por mulheres? E, destes, sobre o que elas falavam e em que posição da sua lista elas apareceram? 

Eu, pessoalmente, pensei em dois. Mas não foram os primeiros a vir em mente. Os dois que pensei, nesse caso, pertenciam a mulheres negras e que falavam exatamente sobre o fato de ser mulher. Sojourner Truth e Chimamanda Adichie. O que reforça outro aspecto muito importante: quando, enfim, é dado as mulheres o poder da fala, a elas é resignado o ato de falar por e sobre as mulheres. A voz feminina, mesmo quando ouvida, é restringida. O público, o comum, o de interesse geral não cabe à voz feminina. Pois o ato da oratória ainda é, mesmo nos dias de hoje, masculino.
Na maioria das circunstâncias, uma mulher que falasse em público não era, por definição, uma mulher.
Isto fica claro quando pensamos nas figuras femininas de poder e em como seus discursos são avaliados e moldados de maneira a ficarem mais aceitáveis ao público, ou seja, masculinos. Por que as mulheres quando em situação de poder tendem a usar terninhos, quase sempre masculinizados, enquanto que por sua vez as primeiras damas optam por saias ou vestidos? Não seria esta mais uma forma de masculinizar a mulher quando em representação de poder?


Resenha: Mulheres e Poder - Um manifesto

Grandes mulheres da política internacional servem de exemplo nesse aspecto, como Angela Merkel que chegou a ficar conhecida pela alcunha de "a dama de ferro". Mas não apenas nas questões práticas do discurso se encontra o silenciamento feminino ou na forma como a mulher deve se apresentar e portar, ele está também nas comparações e ridicularizações feitas às mulheres que ousam participar da vida pública. Hillary Clinton foi uma que teve sua imagem reproduzida das mais diversas formas vexatórias durante sua campanha a presidência contra Trump, em alguma delas tendo até mesmo seu rosto associado a imagem de Medusa, enquanto Trump substitui Teseu, em uma cena clara de violência.

Mas não é preciso ir tão longe e olhar para fora, aqui mesmo no Brasil temos exemplos claros de como são tratadas as mulheres que almejam ou alcançam o poder na vida pública. A ex-presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, foi diversas vezes atacada não em sua figura como pessoa pública mas em sua essência feminina. Comentários quanto a sua beleza, sexualidade e afins foram feitos inúmeras vezes, até mesmo pela mídia. E independente da opinião política de qualquer um, é inadmissível olhar para os adesivos feitos com a imagem da então presidenta que foram colados em carros e que claramente insinuavam o ato do estupro e achar que "tudo bem". 
Em outras palavras, não temos modelo para a aparência de uma mulher poderosa, a não ser que ela se pareça bastante com um homem.
Recentemente eu e Bianca, também aqui do blog, escrevemos um artigo analisando alguns comentários feitos em uma live da presidenciável Manuela D'Ávila e as coisas ali contidas eram de cair o queixo. Alguns exemplos do que encontramos foi: vai cuidar da sua filha, não sabe nem cuidar da própria casa, é bonitinha mas não entende de nada, tá virada no cão de tão feia, anda fumando muita maconha, vai lavar uma louça, quanto tu cobra para limpar um banheiro, e até mesmo uma falando sobre ter uma vaga no puteiro da vizinhança esperando por ela. Sim, acreditem, nós analisamos 400 comentários que, em boa parte, tinham esse tipo de conteúdo. O que apenas comprova o ponto da autora, não é possível olhar para tudo isso e não identificar uma tentativa óbvia - e muitas vezes eficaz - de silenciar as mulheres.


Resenha: Mulheres e Poder - Um manifesto

Não deixem que eles no calem. O silêncio leva a subjugação e nós já sofremos demais com isso. Tenham voz, gritem, lutem. E, para isso, se informem. O termo "feminismo" assusta muitas pessoas, eu sei, mas uma simples pesquisa basta para perceber que isso é só mais uma artimanha deles para negar nossa união e evitar nossa revolta. Afinal, se tivermos medo de nos unir como poderemos lutar?
Não se pode, com facilidade, inserir as mulheres numa estrutura que já está codificada como masculina; é preciso mudar a estrutura.
Livros como Mulheres e Poder servem exatamente para isso, para abrir nossos olhos para situações que vivenciamos no dia a dia e nem percebemos, para comportamentos prejudiciais que repetimos sem nem ter conhecimento, e, principalmente, para entendermos que não há nada de novo nisso. Os mecanismos de opressão e subjugação feminina já existem há muito tempo, e cabe a nós impedir que eles continuem se reproduzindo. 

Mulheres e Poder - Um Manifesto é um aviso, uma reflexão e um primeiro passo. Não tenham medo de dá-lo, e não deixem que seja o último. Se a oratória é um dom masculino, deixemos então que eles ouçam nossa grito e temam nossa fúria.

Título original: Women & Power: A Manifesto
Autora: Mary Beard
Editora: Crítica (selo da Planeta)
Gênero: Não ficção | Feminismo | Manifesto
Nota: 4,5
Skoob

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13 comentários:

  1. Oi, Duda
    Eu acho muito interessante a ideia dos livros e a sua importância pro movimento feminista, mas eu não sou do tipo que entende bem essas coisas, fiquei um pouco perdida na sua resenha, ainda assim acho que é um livro que eu deveria ler, e que todo mundo também deveria se dar uma chance para experimentar esse tipo de leitura.

    Beijos!
    http://www.suddenlythings.com/

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    1. Oi Miriã,
      realmente indico a leitura desse livro como também a de outros já resenhas por aqui (#MeuAmigoSecreto, Os homens explicam tudo pra mim, Coragem, A mãe de todas as perguntas) pois livros como este são necessários na nossa vida, na nossa condição de mulher. Eles são uma forma de nos abrir os olhos para enxergar um mundo para além daquele que vivemos, para perceber como o nosso "natural" não foi sempre assim, que nossos costumes foram criados e pensados por algum motivo e que, infelizmente, na maioria das vezes foi para subjugar um grupo (as mulheres, alguma religião, os negros...).

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  2. Oiii Duda

    É uma mensagem poderosa e necessária. Tem um monte de gente que torce o nariz quando se fala em feminismo (e tu sabe que não é só homem, mas muita mulher também), mas acho que tem que ser debatido, defendido e explicado, quantas vezes forem necessárias. Esse tipo de leitura é importante porque abre mentes, convida à refletir e tira um pouco os estereótipos que as pessoas montam se baseando em noticias aleatórias (muitas vezes manipuladas quando não exageradas ou falsas).

    Beijos

    www.derepentenoultimolivro.com

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    1. Oi Alice,
      sim as pessoas tem medo e negam o feminismo, coisas como "não sou feminista, mas concordo que homens e mulheres são iguais e devem ser tratados assim", ou seja, tu É feminista sim. Mas isso é, como eu disse, porque existe e sempre existiu um movimento que busca nos calar, e faz isso manchando o nome do feminismo. As feministas radicais podem assusta, as vezes? Podem sim, é verdade. Mas não é delas a "culpa" do termo feminismo assustar, a culpa é de quem procura todo e qualquer motivo para nos destruir, para impedir que a gente se una e ganhe poder para lutar e fugir de nossas amarras.

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  3. Oi, Duda!
    Esses livros são muito importantes nos dias de hoje. Principalmente pelo fato de que o feminismo foi sendo transformado em um movimento que não é real. Acho que esse é o motivo de tantas pessoas terem medo dessa palavras, pois é mais fácil acreditar no que encontram pelo Facebook do que na história real por trás do movimento.
    Eu nunca li um livro como esse, mas fiquei bem interessada. Realmente, nunca tinha pensado no fato de que nos vestidos de uma forma masculina quando queremos nos impor ou quando vamos discursar. Entrou para a wishlist.
    Beijinhos,

    Galáxia dos Desejos

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    1. Oi Mari,
      eu realmente indico muito o livro. Apesar dele focar na parte do discurso e da voz pública feminina, nós podemos entender como isso é usado em vários outros pontos para silenciar as mulheres. E a forma como ela consegue explicar isso de uma maneira simples e clara, e nos transportar para a época dos mitos gregos e assim provar que isso não é novidade, é muito boa. Esse livro é incrível.

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  4. É uma leitura muito interessante, pois trata da nossa realidade, concordo com o que foi escrito acima, agora que reparei na historia do terninho e não é que é verdade, não deveria ser assim. Também vi muitos absurdos sobre a questão feminina da Dilma. Há muito que mudar, por mais difícil que seja, não podemos desistir e é muito bom os livros abordarem o tema, para estar sempre presente.

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    1. Oi Maria,
      é interessante como nós assumimos algumas coisas como sendo naturais e então quando lemos a respeito percebemos que existe um grande significado por trás, né? Como esse lance do terninho, por exemplo. Apenas assumimos que era assim mesmo, mulheres poderosas (políticas, empresárias e afins) deveriam usar terninhos, mas nunca questionamos o por quê, ou percebemos como isso se assemelha a vestimenta masculina (e como chamamos de terNINHO,no diminutivo, ou então pior ainda o terNINHO FEMININO).

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  5. Oi Eduarda, que resenha maravilhosa! Adorei conhecer um pouco da obra por vocês e ver que tem um panorama histórico muito bom. Esses dias estava aqui em casa sozinha pensando na visão que temos da mulher no mundo dos negócio, o quanto a gente acha maravilhoso a prepotência e arrogância masculina e quando são mulheres são sempre umas filhas da p. Essa resenha veio a calhar com meus pensamentos desses dias! Adorei!

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

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    1. Oi Mi,
      exatamente isso! Algumas das maiores qualidades reconhecidas nos "grandes homens" são vistas como defeitos quando encontradas em mulheres de poder. Ao mesmo tempo que a mulher precisa "adquirir qualidades masculinas" quando em relação de poder, ela não poder "se tornar muito masculina" pois assim ela assusta. Leia esse livro,sério.

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  6. Oi Eduarda!
    Estou em busca de livros feministas e saber que essa leitura foi satisfatória me empolga, porque a maioria dos livros do gênero que estou achando, são rasas e "sem reflexões", sabe?
    E nesse livro especificamente, não conhecia.
    Beijos
    https://estante-da-ale.blogspot.com.br/

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    1. Oi Alê,
      olha embora a gente tenha tido umas derrapadas aqui no blog com algumas leituras feministas, a maioria foi bem interessante.Super te recomendo a leitura de Mulheres e Poder, assim como de #MeuAmigoSecreto, A mãe de todas as perguntas, Coragem e Os homens explicam tudo pra mim, que foram todos resenhados aqui no blog.

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  7. Oi Duda, tudo bem?

    Confesso que não leio livros sobre esse tema, apesar de compreender e defender a sua importância.
    Sei que preciso buscar mais informações sobre isso, por isso vou anotar a dica para leitura, pois realmente quero entender melhor o feminismo para ter mais argumentos em defesa da voz da mulher.

    Beijos
    http://espiraldelivros.blogspot.com/

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