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Resenha: A guerra não tem rosto de mulher

Publicado em 21 de abr. de 2020

Resenha: A guerra não tem rosto de mulher

A Segunda Guerra Mundial - ou Segunda Grande Guerra, termo que eu prefiro, já que não envolveram todos os países - já foi contada por diversos livros históricos, romances, mas eu nunca havia pensado que em geral os aspectos contados não consideram uma ótica feminina real. E é isso que a escritora bielorrussa, Svetlana Aleksiévitch, se propõe a fazer em A Guerra não tem Rosto de Mulher.

Sinopse: A história das guerras costuma ser contada sob o ponto de vista masculino: soldados e generais, algozes e libertadores. Trata-se, porém, de um equívoco e de uma injustiça. Se em muitos conflitos as mulheres ficaram na retaguarda, em outros estiveram na linha de frente. É esse capítulo de bravura feminina que Svetlana Aleksiévitch reconstrói neste livro absolutamente apaixonante e forte. Quase um milhão de mulheres lutaram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, mas a sua história nunca foi contada. Svetlana Alexiévitch deixa que as vozes dessas mulheres ressoem de forma angustiante e arrebatadora, em memórias que evocam frio, fome, violência sexual e a sombra onipresente da morte.

O livro foi publicado em sua versão original, russo, no ano de 1985 e só em 2016 a Companhia das Letras publicou a versão em português. Suas 352 páginas recolhem e remontam o cenário vivido por diversas sobreviventes de um dos períodos mais obscuros da história da humanidade.

É impressionante como desde o começo o livro me fez questionar que as visões da guerra, o sentimento vivido. Os filmes a que assistimos e que remontam guerra, qualquer uma que seja, em geral mostram um aspecto extremamente masculino, um forte heroísmo até. As guerras são basicamente feitas somente por homens em todo o nosso imaginário. Parafraseando uma personalidade pública por aí, não tenho dados mas tenho convicção, de que a expressão “soldada” (quantas vezes vocês já leram essa palavra? aposto que poucas) deve ter surgido recentemente em nosso vocabulário.

O fato é que Svetlana Aleksiévitch, com sua magnífica obra, foi capaz de mudar completamente a minha percepção sobre o que é uma guerra de fato. Antes dessa obra, quando pensava em guerra, pensava muito mais em heroísmo, soldados sujos mas jamais feridos gravemente, ou talvez com um tiro somente, algo bem em linha com aquilo que nos é vendido nos filmes. Entretanto, a guerra é horrível e esse livro é capaz de mostrar essa face mas não somente essa.

Antes de começar a obra, Svetlana começa expondo suas razões para escrever a obra e como foi feito o processo de coleta dos dados. É um livro histórico, portanto essas informações são bastante importantes. Depois disso, são diversos capítulos divididos por temas comuns aos depoimentos. Ela organiza em temas e subtemas, cada subtema é um depoimento de uma mulher diferente, finalizando a maioria deles com os nomes das entrevistadas e seus antigos cargos no exército soviético.

É importante dizer que toda a visão que o livro trás da segunda guerra é com base em relatos de integrantes do exército vermelho, portanto, sob a visão soviética.

As histórias contadas trazem uma visão real da guerra. Elas falam não só sobre vitórias e derrotas, falam também sobre o amor e a importância dele para que fossem capazes de suportar tudo o que se passava. Nenhuma delas fala sobre armamentos, não da maneira como estamos acostumadas, e em todo o livro um tema permeia os capítulos: a morte. A morte neste livro é a coisa mais verdadeira que eu já li. O retrato da pequenez a qual nos resumimos.

Outras coisas que jamais imaginaríamos também são postas às claras, como as vestimentas. Esse foi inclusive o motivo que sugiro ali em cima que a palavra soldada deva ser relativamente nova, porque simplesmente não haviam roupas para mulheres no exército. Elas eram obrigadas a usar roupas masculinas e jamais pude imaginar o quanto isso pode ser devastador para a autoestima de uma mulher.

Não quero me alongar muito mais para não dar muitos spoilers, mas deixo abaixo uma das quotes que mais me tocou durante o livro:

Sabe o que pensávamos na guerra? Sonhávamos: ‘Bom, rapazes, se sairmos vivos… Como serão felizes as pessoas depois da guerra! Como será feliz, como será bonita a vida. Essas pessoas que tanto sofreram vão ter pena umas das outras. Vão amar. Serão outras pessoas’. Não tínhamos dúvida. Nem um tiquinho. Meu bem… as pessoas se odeiam tanto quanto antes. Matam de novo. Isso para mim é o mais incompreensível...E quem são? Nós… Somos nós…

Título original: U voyny ne zhenskoe litso, War Does Not Have a Woman's Face
Autora: Svetlana Aleksiévitch
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Cecília Rosas
Gênero: Não-ficção | Biografia
Nota: 5

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