Resenha: O Conto da Aia - Queria Estar Lendo

Resenha: O Conto da Aia

Publicado em 20 de jul. de 2018

Resenha: O Conto da Aia

O Conto da Aia, da autora Margaret Atwood, é um clássico atemporal. Lançado aqui no Brasil pela Editora Rocco, é difícil pensar em palavras para expressar o quanto essa leitura foi um impacto do início ao fim.
Sinopse: Escrito em 1985, o romance distópico O conto da aia, da canadense Margaret Atwood, tornou-se um dos livros mais comentados em todo o mundo nos últimos meses, voltando a ocupar posição de destaque nas listas do mais vendidos em diversos países. Além de ter inspirado a série homônima (The Handmaid’s Tale, no original) produzida pelo canal de streaming Hulu, o a ficção futurista de Atwood, ambientada num Estado teocrático e totalitário em que as mulheres são vítimas preferenciais de opressão, tornando-se propriedade do governo, e o fundamentalismo se fortalece como força política, ganhou status de oráculo dos EUA da era Trump. Em meio a todo este burburinho, O conto da aia volta às prateleiras com nova capa, assinada pelo artista Laurindo Feliciano.
Na trama, acompanhamos Offred. Ela é uma aia, designada à família de um importante Comandante em um país derrubado por um governo totalitário e teocrata. Esse novo sistema político é de uma opressão e terror sem tamanho, fundamentando sua ideologia na superioridade do gênero masculino e nas vontades de Deus, basicamente o comandante supremo de toda essa revolução.

Inúmeros problemas fizeram a queda de natalidade na Terra chegar a números drásticos, e uma das "medidas de solução" encontradas foi de "recrutar" as mulheres ainda férteis e designá-las à famílias específicas a fim de servirem como "receptáculo" para os filhos que possivelmente viriam. Uma completa e absurda dominação sobre o gênero feminino, restringindo principalmente as aias - mas as mulheres, em geral - às "vontades de Deus".
Se for uma história que estou contando, então tenho controle sobre o final. Então haverá um final, para a história, e a vida real virá depois dele. Poderei recomeçar onde interrompi. 
Isso não é uma história que estou contando.
As histórias mais assustadoras são as ficções que têm um pé na realidade. O Conto da Aia, descrito como distopia e ficção especulativa, é uma das que mais dá para relacionar com coisas do dia-a-dia. Absurdos do cotidiano, pensamentos retrógrados, misoginia, violência de gênero. Tudo que está neste livro, num universo distópico não tão distópico assim, existe, e aqui foi levado ao extremo.


Resenha: O Conto da Aia

Até porque não existe nada mais perigoso do que o extremismo, e dar poder a extremistas pode resultar no que este livro apresenta como uma revolução na civilização. Como a "salvação" encontrada para colocar o país nos eixos, para salvar a população do que haviam causado a si mesmos.
Aprendemos a ver o mundo em arrancos, aos arquejos, como se prendendo a respiração.
O Conto da Aia é impactante porque é verossímil. Porque mostra o que o poder e a opressão podem fazer; fala sobre a submissão de um gênero com a naturalidade que aquele mundo doentio criou para tratar essa situação. Mostra os horrores e a aceitação como parte da sociedade, porque o mundo horrendo em que a protagonista vive foi construído para subvertê-la a nada mais do que um útero. A Aia existe para carregar o filho de alguém e é isto. Ela não tem nome, não tem voz, não tem olhar, não tem direito a vontades, a sonhos, a esperanças, a um futuro. A existir. Ela não existe além da sua obrigação, sua devoção e sua submissão.

Ainda que seja uma sociedade aterrorizante, Offred é uma das aias da primeira geração. Ela viveu muito do mundo civilizado antes da queda de tudo que conhecia; viu seu país sob liberdade antes de se encontrar à sombra de um governo totalitário radical. Ela é uma mulher de dois mundos; a que tinha um nome, uma família, sonhos, esperanças, e a aia resignada ao seu dever, perturbada pelo que perdeu, temerosa quanto ao que ainda pode perder.


Resenha: O Conto da Aia

O modo como a narrativa desenvolve a protagonista é aterrador. Não é um livro revolucionário, não é uma distopia onde a personagem principal vai se erguer e lutar contra um sistema opressor. O máximo de revolução são em pequenos atos; risos de escárnio escondidos, piadas internas, encontrar falhas em seus superiores e usar isso para se fortificar. Offred é uma personagem de muitas camadas, interessante de se acompanhar. Não é chamada de heroína. É uma sobrevivente.
É um acontecimento, um pequeno desafio às regras, tão pequeno a ponto de ser indetectável, mas momentos como esse são as recompensas que guardo para mim mesma.
A divisão dessa nova sociedade é de dar embrulho no estômago. O modo como tratam as mulheres - todas as divisões, desde as Esposas, que, considerando o cenário, têm mais voz e presença do que outras, até as Marthas e Aias. As Tias, designadas para treinar e "educar" a qualquer custo as aias, são as figuras de maior força dentro da sociedade exatamente por serem vistas como as ditadoras. Mas ainda estão resignadas às vontades dos homens.
Essas canções não são mais cantadas em público, especialmente as que usam palavras como livre. São consideradas perigosas demais.
Um ponto que a narrativa usa para explicar isso é que mesmo no passado, em outros governos ditatoriais, entendia-se que era necessário alguém dentro de um grupo para subjugá-lo; aqui, com as mulheres não foi diferente. As Tias foram escolhidas para serem as superiores, para corrigir e garantir que a principal "fonte" de um futuro não ousasse se rebelar.
Como todos os historiadores sabem, o passado é uma enorme escuridão, e repleto de ecos.
Em relação aos homens da história, minha vontade de instaurar uma ditadura feminista só aumentou conforme lia esta obra. Honestamente, é de fazer chorar e gritar em frustração. Margaret conseguiu desenvolver essa nova realidade com tamanha perfeição que me deu medo, me deixou desesperada, me fez querer erguer essas mulheres e lutar ao lado delas. É tanto absurdo, tantas atrocidades; os monstros nessa história não são as armas ou o sistema ou mesmo Deus. São os homens, porque deles veio tudo isso, mesmo a "palavra do Senhor" a qual eles tanto louvam.


Resenha: O Conto da Aia

Dois personagens masculinos podem ser excluídos dessa generalização: Luke, uma lembrança inofensiva, e Nick, um possível aliado em meio a todo esse absurdo. É aquela história: generalizamos porque a maioria é que causa tudo isso. Sempre vão existir exceções, sempre vai haver um pouquinho de esperança. Mas esperança, num mar de caos, pode afundar.
Ignorar não é a mesma coisa que ignorância, você tem que se esforçar para fazê-lo.
Esse foi um dos livros mais perturbadores que já li, e por causa desse clima tenso, da instabilidade das emoções da protagonista, da incerteza sobre os rumos que a história tomaria, eu não consegui desgrudar dele até terminar. Mesmo com o ritmo monótono, Margaret sabe como te prender às páginas, te fazer questionar e ansiar por mais. Um pouco de esperança, um pouco de rebeldia, um pouco de luta, talvez. Uma mera faísca de liberdade que seja.
Meu nome não é Offred, tenho outro nome que ninguém usa porque é proibido. Digo a mim mesma que isso não tem importância, seu nome é como o número de seu telefone, útil apenas para os outros; mas o que digo a mim mesma está errado, tem importância.
Conforme ouvimos sobre o passado de Offred, descobrimos sobre seu marido, Luke, sua filhinha, sua melhor amiga, Moira - uma das melhores personagens do livro, inclusive - e isso parece criar aquela centelha de esperança. De que, mesmo nesse momento sombrio, ainda há coisas em que se agarrar, lembranças para se libertar.
Como é fácil inventar uma humanidade para qualquer pessoa, qualquer uma. Que tentação disponível.
A respeito de Moira, inclusive, que mulher! Lésbica, duas vezes atacada pelo sistema - uma vez que as mulheres na comunidade LGBT são chamadas de Não Mulheres e Traidoras de Gênero por serem quem são - ela não se deixa submeter às atrocidades. Ela é uma das poucas que ainda ergue a voz mesmo debaixo de todo aquele terror.


Resenha: O Conto da Aia

Eu poderia me estender aqui por horas e horas para falar sobre esse livro, e a vontade é grande. Parece que nem todas as palavras do mundo seriam suficientes para exprimir o que foi essa leitura; e por isso eu digo: leiam.

O Conto da Aia é aterrorizante e definitivamente um dos melhores livros que já li na vida. É uma lição sobre história e humanidade (a falta dela) e sobre o horror que o poder pode criar.


Título original: The Handmaid's Tale
Autor: Margaret Atwood
Editora: Rocco
Tradução: Ana Deiró
Gênero: Distopia | Ficção Especulativa
Nota: 5 +
Skoob

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18 comentários:

  1. Oi, Denise
    Sendo bem sincera com você, eu nunca tive vontade de ler esse livro, mesmo com tantos elogios a ele. Eu não gosto desse tipo de leitura e dificilmente conseguiria terminar, entretanto, é vital obras que falem sobre todas essas coisas que vemos no dia-a-dia. A gente pensa 'nossa, que horror' sem lembrar que vivenciamos isso todos os dias e nem sequer paramos para perceber. Provavelmente eu assistiria a série, mas tenho certeza que a mensagem é passada da mesma forma.
    Beijos
    http://www.suddenlythings.com/

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    1. Oi, Mi!
      Se não é tua vibe de leitura não adianta tentar porque tu pode acabar desgostando exatamente por isso, faz parte. Mas sim, o discurso e as críticas da obra são importantíssimos e (assustadoramente) atuais, é muito necessário falarmos sobre ela.
      A série é um pouco diferente do livro, mas ainda se mantém bem fiel a tudo que eu citei como o plot principal - principalmente às críticas.

      Beijos!

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  2. Bom dia Denise,

    Esse é um livro que eu quero muito ler, não só esse como os demais da autora, ótima resenha....bjs.


    http://devoradordeletras.blogspot.com/

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    1. Oi, Marco!
      Tenho muita vontade de ler as outras obras da Margaret, pretendo comprar em breve!

      Beijos.

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  3. Oi, Denise, tudo bem?

    Concordo com você, quanto mais real e possível for a história, mas assustadora ela se torna! Eu tenho o livro desde o lançamento, mas sabe quando a gente sente que não é o momento certo para fazer a leitura? Sinto que preciso estar em um momento muito específico para poder absorver tudo o que esta história tem para oferecer!
    Não duvido mesmo que ele seja pertubador... já sei que serei impactada!

    Beijos e um bom final de semana!
    - Tami
    https://www.meuepilogo.com

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    1. Oi, Tami!
      Sei exatamente o que significa esse feel. Li ele numa maratona, mas tava com MUITA vontade de ler fazia um tempo, por isso a leitura fluiu muito rápido. É uma obra bem pesada, né, tem que ler no momento certo.
      E sim, quanto mais próxima da nossa realidade, mais medonha a trama se torna.

      Beijos!

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  4. eu li o livro no ano passado logo depois de assistir a primeira temp da serie, é um ótimo livro, mas acho que a serie conseguiu se superar! é tao boa quanto e preenche bem as lacunas deixadas pelo livro

    www.tofucolorido.com.br
    www.facebook.com/blogtofucolorido

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    1. Oi, Lívia!
      Terminei a s1 assim que acabei o livro, e concordo contigo que em alguns pontos a série deu uma elevada ainda maior na questão da crítica e dessa revolução silenciosa. Tô LOUCA pela s2, vou começar em breve!

      Beijos,
      Denise Flaibam.
      www.queriaestarlendo.com.br

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  5. Gosto de histórias do gênero e fiquei bem curiosa para saber, nesse caso, o que o poder e a opressão vão fazer nessa história.

    Abraços,
    Naty
    http://www.revelandosentimentos.com.br

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    1. Oi, Naty!
      A tensão é beeeem presente em toda a narrativa, é muito interessante de acompanhar o desenrolar dessa tirania toda - e dos pequenos pontos de revolução em meio a ela.

      Beijos!

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  6. Oiii Denise

    Eu com certeza quero elr esse livro, acho a premissa dele bem impactante e a narrativa parece ser forte, sem pudores, aquele tipo de história que vem pra chocar, pra tirar o leitor da zona de conforto e praticamente nos obrigar a refletir. Realmente é perturbador imaginar como às vezes a fantasia pode ser tão crível ao ponto de se tornar realista, ser um futuro daqueles que a gente consegue visualizar. Assustador isso.

    Beijo

    www.derepentenoultimolivro.com

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    1. Oi, Ivy!
      É exatamente isso. Não é um livro fácil, mas é um livro necessário - e por isso tão importante.
      O fato de ele se encaixar muito mais em ficção especulativa do que distopia mostra o quão mais próximo da nossa realidade está toda a trama - e o meu medo por causa disso!

      Beijos.

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  7. Oi, Denise!
    Preciso te dizer que tenho muita vontade de ler esse livro. Antes mesmo de ler sua resenha, já sabia que a trama seria de dar nojo e de embrulhar o estomago. Porém, já vi muitas pessoas comentando da narrativa monótona e isso acaba me desviando da leitura. Infelizmente, acho que não conseguiria ler até o fim.
    Beijinhos,

    Galáxia dos Desejos

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    1. Oi, Mari!
      A narrativa é diferente do usual nesse tipo de história, mas é tão impactante que acho muito difícil de largar até tu terminar, sabe? Eu, particularmente, não consegui deixar o livro de lado - atrasei as outras leituras da maratona por causa disso :P

      Beijos!

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  8. Oi, Nizz!
    Não li o livro, mas estou acompanhado a série. Cada episódio é uma dor no coração só de pensar que estamos a um passo de ficar assim.
    Beijos
    Balaio de Babados

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    1. Oi, Lu!
      Menina siiiiim. É aterrorizante o quanto é real! Eu terminei a s1 com o coração na mão, agora vou maratonar a 2 e NÃO TÔ PREPARADA.

      Beijos!

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  9. Amei tanto esse livro, mas ainda não fiz uma resenha dele... Que vergonha XD

    Amei a resenhas e suas opiniões =D

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    1. Oi, Dora!
      Entendo o sentimento. Pra essa resenha sair foi um sufoco! Parece que nenhuma palavra faz jus a esse livro.

      Beijos!

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