Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço - Queria Estar Lendo

Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

Publicado em 25 de out. de 2018

Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço é a mais completa biografia daquela que entrou para a história como a rainha do cangaço, Maria Bonita. O livro, recentemente publicado pela editora Objetiva - que nos cedeu um exemplar para a resenha - é a obra de estreia da jornalista Adriana Negreiros.
Sinopse: A mulher mais importante do cangaço brasileiro, que inspirou gerações de mulheres, ganha agora sua biografia mais completa e com uma perspectiva feminista. Embora a mitificação da imagem de Maria Bonita tenha escondido situações de constante violência, ela em nada diminui o caráter transgressor da Rainha do Sertão. Desde os anos 1990, quando Vera Ferreira, filha do casal de cangaceiros mais famoso do Brasil, cravou como data de nascimento de sua mãe o 8 de março, Maria Bonita é celebrada no Dia Internacional da Mulher. Com o tempo, transformou-se em uma marca poderosa. Enquanto a companheira de Lampião viveu, no entanto, essa personagem nunca existiu. A cangaceira que teve a cabeça decepada em 28 de julho de 1938 era simplesmente Maria de Déa: uma jovem de 28 anos que morreu sem jamais saber que, um dia, seria conhecida como Maria Bonita. Nos anos em que viveu com Lampião e nos subsequentes à sua morte, despertou pouco interesse em pesquisadores ou jornalistas. E foi essa lacuna de informações sobre sua vida e a das outras jovens que viviam com o bando que contribuiu para que se criasse a fantasia de uma impetuosa guerreira, hábil amazona do sertão, uma Joana D'Arc da caatinga. Essa versão romântica e justiceira de Maria Bonita, rapidamente apropriada pela indústria cultural, tornou-se um produto de forte apelo comercial — e expandiu seus limites para além das fronteiras do sertão. Neste livro, Adriana Negreiros constrói a biografia mais completa até então daquela que é, sem dúvidas, a mulher mais importante do cangaço.
Assim que vi a notícia de que a Objetiva iria publicar o livro, fiquei completamente empolgada. A figura de Maria Bonita e Lampião é tão mistificada e romantizada pela cultura popular que é quase impossível não ficar curioso para saber mais sobre a verdadeira identidade deles e a história do cangaço brasileiro.

E uma das primeiras coisas que a gente descobre é que, embora Lampião fosse assim conhecido no Brasil inteiro, Maria Bonita era simplesmente Maria de Déa (o nome de sua mãe) ou Maria do Capitão (como chamavam Lampião entre os cangaceiros de seu bando). E diferentemente do que a cultura popular viria a pregar, ela não era a mulher mais bonita do Cangaço e, por muitos com quem convivia diariamente, era tida como uma mulher comum.

Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

Mesmo nessa biografia a história de Maria é, ainda, muito misteriosa. Muito do que se sabe foi contado por companheiras de cangaço que sobreviveram a ordenação ou pelos Volantes - a polícia responsável por caçar os cangaceiro. Sua história é, por muito, oral, e embora a presença de mulheres no cangaço tenha sido uma curiosidade que interessava a população - presença essa inaugurada por Maria - muitos dos jornais ainda preferiam não falar muito sobre ela, mesmo que fosse tida como tão ou mais violenta que os homens.
Já Maria de Déa podia até ter medo de Lampião. Mas tinha medo maior ainda da mesmice.
Enquanto eu lia, percebia a escassez de informação sobre Maria, que Adriana Negreiros completou com o relato de outras mulheres envolvidas no cangaço, como Dadá, companheira de Corisco, o "segundo" no comando do bando de Lampião, e suas histórias eram, em muito, diferente da de Maria.

Maria de Déa era uma jovem insatisfeita com o casamento violento e o marido infiel, e terminou por se apaixonar pela visão idealista que muitas moças do interior do sertão tinha do Cangaço. Fugiu com Lampião aos 18 anos, de livre e espontânea vontade. Ao que consta, Maria nunca foi agredida por Lampião e tinha as coisas conforme queria. Também era violenta e, pela leitura do texto, identifiquei uma misoginia internalizada bastante forte, principalmente no fato de que ela conseguia ser empática com assassinos de mulheres, mas não com as suas vítimas.

Uma história bastante diferente de tantas outras, como Dadá: sequestrada e estuprada aos 12 anos, levada ao Cangaço contra a vontade, como tantas outras: Sila, Rosinha, etc. Diferentemente da ideia romantizada do Cangaço, a bandidagem não era um lugar de igualdade entre os gêneros. Mulheres não tinham a mesma voz que os homens - salvo, talvez, Maria.

Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

A violência doméstica era cotidiana, e as mulheres eram propriedade dos companheiros, e por isso eles é que decidiam sobre sua vida e sua morte. Homens extremamente misóginos viviam ali, como José Baiano, que ferrava mulheres em suas partes intimas e rosto, caso elas tivessem cabelos curtos no estilo das melindrosas, por exemplo. As cangaceiras não tinha, nem mesmo, a liberdade de partirem: quando seus companheiros morriam, ou outro cangaceiro as reclamava ou elas eram mortas. Acreditavam que elas sabiam demais sobre o dia a dia do bando para voltarem para casa, estariam arriscando que elas falassem com os Volantes. Além do mais, mulher sem companheiro não tinha lugar no Cangaço, já que elas não lutavam.
Era comum que os cangaceiros dormissem sobre bornais recheados de notas de dinheiro, mas com fome e com sede.
O sexo, retratado no título, era comumente estupro, e a maior parte das mulheres envolvidas com os cangaceiros estava ali contra a vontade, odiava o parceiro, e tinha sido iniciada naquela vida antes dos 16 anos. 

A violência contra os sertanejos pobres, ainda, vinha de todos os lados e era ainda mais truculenta por parte da polícia, transformando os cangaceiros no "menor dos males", romantizando suas figuras e idealizando uma vida de aventura e paixão que não consistia com a realidade.

Adriana Negreiros compilou seu livro a partir de relatos em jornais e de antigos cangaceiros, em busca de elucidar uma figura construída em cima de fantasias e lendas, que se afasta cada vez mais da realidade, conforme os anos passam e a cultura popular se apropria dela.

Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

De uma consequência da extrema pobreza, seca do sertão e da violência dos coronéis, o Cangaço se tornou uma história sobre aventura. Um Robin Hood dos sertões que nem de longe lembra os homens que assassinavam até mesmo crianças de colo. O resgate de Adriana coloca uma luz sobre a verdade, desmitifica suas figuras populares e não deixa cair no esquecimento a dor e o sofrimento de tantas mulheres relegadas a uma vida que nunca desejaram.

Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço é um livro forte sobre uma vida violenta, que se compromete a acreditar e validar os relatos das cangaceiras, diferentemente de tantos outros autores que vieram antes. Adriana Negreiros traz certa imparcialidade aos relatos, porém nunca colocando em dúvida a versão dos fatos contados pelas mulheres.
Quando Maria Gomes de Oliveira morreu, nasceu Maria Bonita.
Em uma sociedade que comumente coloca a vítima em posição de culpada, em casos de violência, mesmo quando está tão claro a verdade - que criança de 11 ou 12 anos tem a capacidade de discernimento para escolher uma vida de fome, seca e violência, com constante perigo de morte, em vez de bonecas e a segurança - mesmo que precária - da família? -, Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço é uma obra importante.

Também gostaria de destacar a edição do livro. A editora Objetiva fez um ótimo trabalho. Gostei da forma como os capítulos foram divididos, com o cordel ao início de cada capítulo, formando a história completa no fim. E as fotos também me ajudaram bastante a localizar e reconhecer parte das pessoas sobre quem estava lendo.

Resenha: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço

Por fim, eu não tinha muito conhecimento história sobre o cangaço - salvo as aulas de história no ensino médio e o que vi em novelas - então foi realmente fascinante conhecer essa parte da nossa história mais a fundo. Tão fascinante quanto tenebroso, como acontece com todas as histórias que retratam uma violência tão gratuita e forte contra as mulheres. Recomendo muitíssimo, seja você um fã de história ou não. Mas é sempre bom entender o circulo perpétuo da violência que gera mais violência.

Título original: Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço
Autora: Adriana Negreiros
Editora: Objetiva
Gênero: Não Ficção - História do Brasil
Nota: 4
Skoob


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5 comentários:

  1. Eu to muito apaixonada por esse livro, que poem a verdade na cara das pessoas

    Amei o post, está um xuxuzinh

    Ja segui o blog

    ❤️https://dosedeestrela.blogspot.com/

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  2. Olá, Bibs.
    Eu já vi inúmeras versões dessa história na tv e no cinema, mas em todas é bem romantizado e sei que foge bem da realidade porque já tinha lido um livro que falava sobre o cangaço, mas não dela propriamente. E mesmo preferindo ler ficção, acho que esse é um livro que eu leria porque me interessei muito em conhecer a história.

    Prefácio

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  3. Oi, Bibs!
    Assim como você, não sei muito sobre cangaço também... então esse livro seria uma ótima dica para aprender um pouco mais. Apesar disso, eu sempre tinha comigo que essa vida de cangaceira para as mulheres não era mil maravilhas.
    Beijos
    Balaio de Babados

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  4. Oi, Bibs!
    Esse não é o tipo de livro que eu tenho o costume de ler e não conheço muito sobre cangaço. Deve ser difícil ler relatos tão violentos quanto os que você citou e é horrível pensar como a vida dessas mulheres era complicada, né?
    Beijinhos,

    Galáxia dos Desejos

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  5. Nossa, uma publicação realmente interessante e cheia de cultura, afinal não só conta um pouco do que aconteceu com Maria Bonita mas também nos mostra toda uma outra vida, e o cangaço, que é algo que muitos de nós não conhecemos...

    www.vivendosentimentos.com.br

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