Resenha: Ninguém Nasce Herói - Queria Estar Lendo

Resenha: Ninguém Nasce Herói

Publicado em 13 de jul. de 2017

Resenha: Ninguém Nasce Herói

Em um cenário civilizado que mistura o caos da intolerância com a opressão de um governo tirano, Ninguém Nasce Herói é uma obra assustadoramente realista. Lançamento da Editora Seguinte, estreia do autor Eric Novello no selo da Cia das Letras, esse é um livro necessário na estante de todos os leitores.
Sinopse: Num futuro em que o Brasil é liderado por um fundamentalista religioso, o Escolhido, o simples ato de distribuir livros na rua é visto como rebeldia. Esse foi o jeito que Chuvisco encontrou para resistir e tentar mudar a sua realidade, um pouquinho que seja: ele e os amigos entregam exemplares proibidos pelo governo a quem passa pela praça Roosevelt, no centro de São Paulo, sempre atentos para o caso de algum policial aparecer. Outro perigo que precisam enfrentar enquanto tentam viver sua juventude são as milícias urbanas, como a Guarda Branca: seus integrantes perseguem diversas minorias, incentivados pelo governo. É esse grupo que Chuvisco encontra espancando um garoto nos arredores da rua Augusta. A situação obriga o jovem a agir como um verdadeiro super-herói para tentar ajudá-lo — e esse é só o começo. Aos poucos, Chuvisco percebe que terá de fazer mais do que apenas distribuir livros se quiser mudar seu futuro e o do país.
Chuvisco vive em um Brasil governado pela intolerância. Através de um golpe, um governante extremamente tradicionalista assumiu o comando do país e instituiu leis rígidas e tolerância zero. O preconceito é uma palavra não mais combatida, mas espalhada através da polícia e das guardas especiais. Existe repressão, militarização e um controle ideológico sobre o que vem a público. É um cenário assustador e muito, mas muito real.


Resenha: Ninguém Nasce Herói

O que mais me ganhou nessa obra foi a maneira com que o autor conduziu toda a trama. Temos a visão de Chuvisco, nosso protagonista, e através dela conhecemos um Brasil dominado pela opressão. Um país onde a diversidade agora é tratada como problemática, um lugar onde as diferenças não têm mais espaço. Pessoas de cor, de religiões diferentes do cristianismo, de sexualidades que diferem da heterossexualidade, todas essas mínimas diversidades são tratadas como lixo. Livros são proibidos, ideias são censuradas. Mesmo com um Pacto recém-assinado, vê-se o pouco caso do governo em tratar todos como iguais; igualdade não existe mais. O que os personagens encontram nas ruas é o medo do mais puro, a ideia de que por causa da cor de pele, do seu jeito de agir, das suas escolhas, isso pode significar repressão da mais violenta.
Numa época em que preconceitos antes velados são gritados com orgulho, não me espanta que tenha sido ele o eleito.
Chuvisco é um personagem cativante. Ele é revolucionário, mas contido por causa do medo. É o garoto que distribui livros em praça pública porque quer dar a chance das pessoas conhecerem o que foi censurado por um governo tirano. É o personagem disposto a se arriscar, mas não arriscar a vida dos amigos em uma incursão corajosa como essa - e o interessante da obra é como a juventude é retratada. Temos ideais revolucionários e esperançosos representados das mais diversas maneiras através de Chuvisco e seus amigos. São pessoas das mais diversas etnias, orientações sexuais e vivências que se uniram e se entenderam em tempos de horror.
Do jeito que o país vai, um livro de terror é um amigo mais sincero que um de auto ajuda.
Outro fato interessante reside nos surtos de imaginação que nosso protagonista tem. Chuvisco sofre de catarse criativa, que é uma espécie de explosão de imaginação que mistura fantasia e realidade e o confunde sobre o que é real e o que é falso. Esses surtos estão muito ligados às suas emoções, e vemos os mais abrangentes deles chegarem em momentos em que Chuvisco vivencia a maior tempestade de sentimentos. É genial como a narrativa mistura a fantasia com a realidade e torna tudo muito crível, mesmo que você saiba que tudo faz parte da mente do Chuvisco.
Viver numa realidade que se desfragmenta faz você encarar o mundo de modo diferente.
Além dele, temos personagens coadjuvantes maravilhosos e bem construídos. Amanda, Gabi, Pedro e Cael são os principais e mais presentes. Cada um com suas lutas, com seus medos e bravuras. Mesmo secundários, eles têm espaço para contar suas histórias, mostrar suas personalidades e ganhar vida conforme a trama avança. A amizade é o ponto principal da história, o alicerce para a força e a coragem do protagonista - e também dos seus amigos. É um ponto muito bem trabalhado e desenvolvido, o tipo de amizade que salta das páginas e te conquista logo de cara.


Resenha: Ninguém Nasce Herói

A representatividade também é tão maravilhosa e bem feita que ah! Temos muitos personagens negros, gordos, de várias orientações sexuais, tudo isso muito natural e como deve ser. Ao mesmo tempo em que a sociedade e o governo oprimem o diferente, a narrativa te entrega como não existe nada de diferente em nenhum deles. Como cada pessoa é parte do mundo, do cotidiano.
Bastaria alguém e força de vontade. Bastaria dizer chega. O problema é que o 'basta' abre as portas para o desconhecido. E, hoje, o desconhecido causa medo.
Resenha: Ninguém Nasce Herói

O mais impactante de Ninguém Nasce Herói, pelo menos para mim, foi o desenvolvimento das lutas internas de cada personagem. Até onde vai a coragem, a vontade de gritar seus direitos e lutar por eles. Até quando alguém consegue aguentar a violência e a opressão até alcançar o ponto máximo e explodir? Mesmo com um grupo rebelde crescendo nas ruas, intitulado de Santa Muerte, são esses jovens a ditar uma possível revolução, afinal, e revoluções começam silenciosas para se tornarem um estouro incontrolável. O terreno para isso é bem trabalhado na história, e cada receio, hesitação e recuo dos personagens é crível para o cenário em que eles vivem.
A verdade é que ninguém nasce herói. Mas isso não nos impede de salvar o mundo de vez em quando.
Afinal de contas, estamos falando de um país governado pelo medo. De um cenário onde as ruas não são seguras, onde falar pode colocar sua vida em risco. Onde ser diferente é um crime, com milícias especializadas perseguindo quem ousar destruir a "ordem" instaurada pelo governo do Escolhido.


Resenha: Ninguém Nasce Herói

A Editora Seguinte cedeu a prova do livro para a Eduarda, mas ele não chegou a tempo de ela ler. Com sorte, estive presente na Flipop e consegui adquirir o livro com exclusividade lá! Ele ainda está em pré-venda, mas já garanto que a edição ficou um arraso. Diagramação bem simples, mas bem feita, e uma capa de encher os olhos.
Numa sociedade sã, a loucura é a única liberdade.
Ninguém Nasce Herói é uma história sobre coragem e juventude, sobre dar um passo à frente contra a opressão e lutar pela liberdade, pelo direito de ser quem você é. É uma história real e atual e importante para todo mundo; ler a tirania pode abrir seus olhos para as pequenas coisas escondidas no nosso mundo, pequenas opressões que avistamos no dia a dia.

Título original: Ninguém Nasce Herói
Autora: Eric Novello
Editora: Seguinte
Gênero: Distopia
Nota: 5

Saiba mais: Skoob | Amazon | Saraiva

8 comentários:

  1. Oie, Denise

    Nossa, AMEI a resenha e a premissa do livro. Em um período em que falamos tanto sobre representatividade, é muito legal uma história que mostre algo tão próximo da realidade (afinal, Bolsonaro tá aí, né)
    A edição é muito bonita, gostei bastante da capa, também. Sua resenha me deixou morrendo de vontade de ler!

    http://caverna-literaria.blogspot.com

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    1. Oi Letícia!
      Menina, exatamente! Em um momento em que estamos dando tanto destaque para as causas para as quais as pessoas fechavam os olhos antes, ter um livro desses é um impacto assustador e muito importante. Especialmente quando personagens dentro dele são tão parecidos com alguns que a gente vê lá nos palanques do Planalto e cia - oi Bolsoblé.
      Obrigada pela visita, e que bom que gostou da resenha!

      Beijos.

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  2. Oie Denise =)

    Eu já estava um pouco curiosa para ler esse livro, mas depois de ler a sua resenha preciso adicionar ele na minha lista de desejados.

    É tão bom ver quando um autor acerta a mão na história e pelo visto é isso que acontece aqui!

    Beijos;***
    Ane Reis | Blog My Dear Library.

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    1. Oi Ane!
      Fiquei muito feliz por saber que a resenha te ajudou a querer ainda mais o livro! Ele é realmente maravilhoso do início ao fim, um must read pra todo mundo.

      Beijos.

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  3. Oi Denise!
    Ainda não conhecia esse livro, mas amei sua resenha. Adoro distopias, é um dos meus gêneros literários preferidos, e acho que ainda não li uma que fosse brasileira e se passasse no Brasil. Gostei!!

    Beijos,
    Sora | Meu Jardim de Livros

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    1. Oi Sora!
      Distopias atualmente estão se inovando de uma maneira maravilhosa, esse com certeza é um desses casos! Super indicado pra ti que gosta do gênero.

      Beijos.

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  4. Oi Denise, eu juro que fui lendo a resenha e me perguntei se era distopia ou o momento real rsrrs sério mesmo! Achei incrível a premissa e os personagens parecem ótimo, quero ler com certeza!

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

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    1. Oi Mi!
      NÃO É? Quanto mais eu lia, mais eu ficava 'caraca, podia ser hoje em dia' porque né... Assustador ao extremo. E muito relevante para discussões.
      Você vai adorar, com certeza!

      Beijos.

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