Papo sério: até quando vamos continuar apoiando obras de autores problemáticos? - Queria Estar Lendo

Papo sério: até quando vamos continuar apoiando obras de autores problemáticos?

Publicado em 13 de ago. de 2020


Antes de começar esse post, já gostaria de deixar bem claro. Quando pergunto até quando vamos continuar apoiando obras de autores problemáticos, estou falando do presente e do futuro. Não do passado.

Muitas pessoas sequer sabem quem é o autor do livro que estão comprando. Muitas polêmicas e problemáticas surgem anos depois. Isso não quer dizer que você é culpada de algo, ou que deve algo a alguém por ter consumido esse produto quando não estava ciente dos acontecimentos - ou mesmo quando eles ainda nem existiam!

Dito isso, esse texto é sim uma forma de provocar o pensamento crítico.

Eu, Bianca, pessoalmente, acredito que existe toda uma responsabilidade social em volta de um livro. Por consequência, isso faz com que eu acredite que existe toda uma responsabilidade social na figura do autor. Especialmente aqueles com grande visibilidade e impacto sobre jovens mentes em formação.

E por isso acredito que é muito importante avaliar como as histórias que você escreve e as coisas que você diz em plataformas de acesso público, impactam na formação do seu público. Na forma como eles veem a si mesmos e as pessoas a sua volta.

"Ah, então as pessoas não podem errar?"

Ué, não. Todo mundo tem o direito de errar. Ninguém é perfeito. É por isso que existe o pedido de desculpas. Ninguém está isento de errar, especialmente quando discutimos assuntos que não dominamos, quando tentamos nos expressar em momentos de forte emoção, quando interpretamos errado algum ato ou fala.

Por mais que a internet fique cancelando todo mundo por qualquer coisa (vale lembrar que criticar não é "cancelar" e muita gente usa o termo para se fazer de vítima quando é criticada por uma piada LGBTQfobica, um comentário racista, etc) um pedido de desculpas é sempre muito válido

"Peço desculpas, não estava ciente disso, vou procurar me informar melhor". É uma frase curta e fácil de digitar e falar.

Como diria Taylor Swift, os haters vão odiar e odiar, mas isso é inevitável com qualquer assunto. Mas as pessoas verdadeiramente impactadas por suas ações vão perceber que você está se responsabilizando por suas ações e falas e tentando melhorar - como a maior parte das pessoas no mundo.

E isso tem poder. Deixar as pessoas saberem que estamos em constante aprendizado, que podemos mudar de ideia, formar novas opiniões e descobrir coisas novas sobre o mundo. Mostra que você não é perfeito, mas que é melhor do que era ontem e está comprometida em não cometer os mesmos erros.

Agora, o que a gente faz quando autores (e artistas, figuras públicas, amigos, etc) não estão dispostos a mudar?


Quer dizer, o que a gente faz quando a autora da nossa série de livros preferida continua criando polêmicas problemáticas? Posicionando-se publicamente contra o direito de uma minoria que já é atacada e morta e violentada diariamente? Que tem seus direitos ameaçados e desrespeitados todos os dias?

O que fazemos quando as palavras dessa pessoa, que admirávamos do fundo do coração, machucam e endossam um discurso de ódio que oprime, mata, viola? Que machuca uma parcela dos seus leitores?

Honestamente para mim, Bianca, a resposta parece fácil em alguns casos.

Quando James Dashner foi acusado de assédio sexual, assumiu sua culpa e sumiu do mundo - ele tá tentando voltar, mas espero que os leitores não deixem ele ganhar fama novamente - foi muito fácil para eu falar que nunca leria nenhum livro seu. Eu nunca tinha consumido suas obras e nunca tinha tido interesse em ler. O mesmo para Jay Asher e também J.K. Rowling.

Para mim, não é sacrifício nenhum deixar essas obras de lado, ignorar a existência delas. Mas para muitos fãs, não é bem assim. E eu entendo. De verdade. As memórias afetivas são importantes. Quantas pessoas encontraram em Hogwarts um refúgio? Um lugar seguro em meio a turbulência da pré-adolescência ou mesmo a vida adulta?

Em especial crianças LGBTQIA+.

Muita gente já correu cancelar J.K., claro. É comum você ver piadas no twitter sobre quem, realmente, escreveu Harry Potter ou como J.K. morreu para todo mundo. A admiração de muita gente foi ralo abaixo, já que as palavras de Rowling contradizem muito do que acreditam.

Se eu acredito na igualdade - de gênero, orientação, identidade, raça, etnia - realmente fica difícil acreditar em alguém que não respeita isso e, efetivamente, luta contra. Mas será que só a minha indignação basta?

Falamos muito de militância de sofá/internet. Isso porque é muito fácil falar, mas quando chega a hora de tomar uma atitude concreta, muita gente acaba escapando. E o caso da J.K. não foi muito diferente. Pedem, vez e outra, que seja possível separar a obra do autor.

Mas não vejo como isso pode ser possível. Não quando o autor está se beneficiando do meu consumo. É diferente tentar separar a obra do autor, por exemplo, quando falamos de Lovecraft

O racismo em suas obras é discutido até hoje e tem quem diga que as melhores obras no universo Lovecraftiano foram as derivadas, que começaram a surgir quando a obra caiu em domínio público.

Lovecraft e sua família não estão se beneficiando do seu consumo, hoje. No entanto, J.K. Rowling está.

Adianta dizer que a verdadeira autora de Harry Potter é Emma Watson, que Rowling não existe mais para você e se negar a reconhecê-la, mas continuar comprando os livros e artigos derivados das histórias dela?

Te respondo: não. Não adianta. Efetivamente, isso não ajuda ninguém. Talvez apenas o seu ego, enquanto você finge que está do lado das pessoas trans, ao mesmo tempo em que consome os produtos de J. K.

E eu não sou alheia do mundo para achar que um punhado de pessoas parando de consumir Harry Potter/Robert Galbraith ou falar dele vai fazer com que J.K. Rowling fique pobre. Não vai. Ela podia parar de trabalhar agora e nunca mais receber um centavo pelo trabalho que já fez, que ela ainda estaria bem.

Mas o ponto é que, ao consumir os produtos dela, estamos apoiando ela. Continuando seu legado. Quando você é contra as coisas que ela acredita, mas presenteia seu primo de 10 anos com a saga de Harry Potter, você está:

  1. Apoiando financeiramente JK (e, por consequência, qualquer ação de caridade que ela queira fazer em nome de entidades anti-LGBTQIA+, por exemplo);
  2. Ajudando a formar uma nova geração de potterheads, que vão consumir mais produtos dela e levar anos para entender a problemática em torno dela;
  3. Estimulando crianças a admirar uma pessoa que, de acordo com os seus padrões (já que para você, ela está morta), não é digna de admiração.

E isso só para pontuar algumas coisas.

É difícil se desapegar. É difícil deixar a memória afetiva de lado. Mas é importante se posicionar. Seu amor por Harry Potter não precisa morrer. Mas também não precisa fazer J.K. Rowling lucrar mais. É indispensável erguer os olhos do nosso próprio umbigo e olhar para o nosso amigo ao lado.

Além do mais, não é porque Harry Potter te transformou em leitor, que ele é o único capaz de transformar as crianças a sua volta em leitores também. Estamos vivendo um momento muito bacana na literatura - mesmo no mainstream. Onde narrativas diversas e own voices tem ganhado mais espaço. 

Então por que continuar insistindo em uma história com 20 anos, sem representação alguma (não, eu não conto Dumbledore como representação) e com uma autora extremamente problemática?

4 comentários:

  1. UAU!
    Esse é um tema

    É uma problemática hoje e temos que tomar cuidado com o que consumimos, com o queos autores falam
    Infelizmente muitas boas histórias vem se perdendo ao longo dos anos.. .Saudade de quando ainda não tinham essas palavras ruins que foram ditas né :/


    Beijocas da Pâm
    Blog Interrupted Dreamer

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  2. Olá...
    Esse é um tema bem polêmico nos dias atuais, né? A internet está dividida em quem cancelou a JK Rowling e quem conseguiu separar a obra do autor... Mas, pra mim, é impossível separar a obra do autor e, ao mesmo tempo, HP foi tão especial pra mim, marcou toda uma época... Esse assunto é bastante complicado e, assim, como você disse acho que um pedido de desculpas seria muito válido e, é claro, o reconhecimento sincero do próprio erro.
    Concordo totalmente com você, existe toda uma responsabilidade social em volta de um livro e de um autor também.
    Parabéns pelo post!
    Bjo

    http://coisasdediane.blogspot.com/

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  3. É isso, Bibs.
    Fora que, eu percebo que existe desvalorização quando a gente fala de autores nacionais. Então, por que não trocar Harry Potter por outras obras intanfis/infanto-juvenis de autores nacionais?

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  4. Nossa, adorei esse post. É muito importante refletirmos mais sobre os autores que apoiamos quando trazem esse discurso que não condizem com nossas crenças. Adoro Harry Potter, não me considero uma fã, mas hoje, não compro mais produtos que beneficiariam a autora, se eu quisesse comprar algo, optaria por comprar produtos artesanais e os livros em sebos. Assim como você, não vejo como separar a obra do autor, uma vez, que o meu consumo dos produtos dela geraria lucro para ela.

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