Skeeter #11: Abuso não é Opinião, é Fato - Queria Estar Lendo

Skeeter #11: Abuso não é Opinião, é Fato

Publicado em 20 de set. de 2018

Skeeter #11: Abuso não é Opinião, é Fato

O texto de hoje vai puxar o assunto de que abuso não é opinião, é fato, e isso porque eu tenho me incomodado com a forma como as pessoas tem respondido a críticas sobre romantização de abuso, seja no skoob, em grupos do facebook e até em algumas postagens aqui do blog.
Eu já falei sobre algo parecido no texto Não é Erótico, é Abuso.
Eu acredito que hoje tem-se fortalecido muito uma cultura de respeitar a opinião alheia, mesmo quando contrária a sua, em debates pela internet - ao menos no tocante a livros de romance. E eu acho isso muito bacana, você ser capaz de ouvir um ponto de vista diferente do seu a respeito de um livro, e respeitar o direito das outras pessoas de terem uma opinião própria a sobre o que leram.

Eu sempre digo que um livro nunca é lido da mesma forma, especialmente porque as pessoas vão interpretar as informações dele a partir das suas bagagens pessoais. As vezes perdemos algumas referências, pegamos outras. As vezes um detalhe desencadeia toda a uma relação de identificação conosco, porque vivemos algo semelhante, mas não desperta absolutamente nada em alguém que não tenha uma experiência parecida.

E eu realmente acho que isso enriquece muito a história de um livro, e o debate e a troca de ideias é importantíssimo para conseguirmos enxergar vários ângulos de uma mesma história.

E tendo dito isso, eu gostaria de reforçar apenas, no entanto, que abuso não é opinião, é fato. Opinião é quando a gente especula os motivos de uma personagem agir como agiu, se isso não é explicado no livro. Opinião é quando a gente se conecta ou não com um personagem, quando o ritmo lento - ou muito acelerado - do livro nos entedia ou empolga. Opinião é não curtir a narrativa ou as escolhas de palavras.

Opinião não é criticar abuso. Eu acho muito interessante quando eu aponto algum abuso romantizado - ou nem tanto - e as pessoas vem me falar "não concordo com você, mas respeito sua opinião". Fico pasma. Não estou dando minha opinião. A partir do momento que a "cena de sexo" continuou mesmo com a mocinha dizendo NÃO, é um estupro. E isso não está aberto para discussão, é um fato.

Se a mocinha vocifera uma opinião e o mocinho tenta convencê-la de que ela está errada e louca, a ponto dela duvidar de si mesma, é gaslight e isso é abuso, fato, não opinião. Se o mocinho envergonha o parceiro por causa da sua orientação sexual ao ponto dele sentir necessidade de pedir desculpas por quem é, isso é abuso, não opinião.

Skeeter #11: Abuso não é Opinião, é Fato
Imagem do blog Crítica Consciente, leia mais aqui.
E também não é "falar de uma cena fora de contexto" porque NÃO EXISTE um contexto onde a mocinha diga NÃO ao sexo (ou comece a chorar no meio dele, ou trema de medo ao ser tocada, etc), o mocinho continue e isso não seja um estupro. Não importa o quanto o/a autor/a se esforce para você acreditar o contrário, se foi dito um não, se existiu uma resistência ou um desconforto, por exemplo, e a cena continuou, é estupro em todo e qualquer contexto.

Não importa que o/a autor/a te diga que a mocinha chorou ou tremeu quando o mocinho tocou ela "mas no fundo ela queria muito aquilo", porque sabe quem mais diz isso? TODO ABUSADOR, SEMPRE. "Ela queria ser estuprada", "ela gosta de apanhar" é uma das coisas que a gente MAIS ESCUTA quando crimes do tipo são denunciados e não são nem um pouco verdade. E é esse tipo de atitude que abuso romantizado reforça.

O abuso é um fato que não pode ser mudado de acordo com o seu ponto de vista. Lolita é um livro que fala de abuso, e isso fica claro. Você querer enxergar ele como um romance, porque acha que Lolita estava "seduzindo" Humbert Humbert o tempo inteiro, não vai mudar o fato de que ele era um homem de meia idade e Lolita uma garota de 12 anos. Não vai mudar o fato de que tudo que aconteceu naquele livro foi abuso.

Não é a minha opinião que Humbert Humbert abusou e estuprou Lolita, é um fato marcado nas páginas do livro e imutável, não importa o quanto você bata o pé para dizer que não. Basta ler a definição no dicionário que vai ficar bem claro.

Acredito que essa política de "educação" contribui para um certo desapego da responsabilidade social do livro - além de passar pano para o abuso porque tudo pode na ficção. E essa ideia de dizer que a crítica ao abuso romantizado é uma opinião serve apenas para que as pessoas possam se esquivar de encarar a realidade de que estão apaixonadas por uma personagem abusiva, que estão fantasiando e desejando para si algo que na realidade poderia terminar por matá-las.

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Imagem do site Compromisso e Atitude, leia mais aqui.
E eu compreendo que quando lemos um livro queremos escapar da realidade. Que não podemos pensar a cada segundo do dia que uma mulher é estuprada no mundo (no Brasil, uma a cada 11 minutos) ou que a cada 27 horas uma pessoa trans é assassinada no Brasil. Que no Brasil 3 mulheres morrem todos os dias apenas por serem mulheres, e a cada 2 minutos uma mulher denuncie um abuso.

Mas também compreendo - e compactuo - com a ideia de que os livros são instrumentos de conhecimento e, por tanto, devem nos fazer questionar. Por mais entretenimento que eles pareçam, geralmente podemos tirar alguma discussão a partir deles. E quando a gente taxa fatos de opinião, estamos removendo a necessidade de nos questionarmos sobre o que acabamos de ler.

Quando o mocinho segue a mocinha para onde quer que ela vá, isso não é ciúmes. É obsessão, é sentimento de posse, e quando tenta justificar o fato de você ter gostado disso com um "o abuso é opinião do outro" você está deixando de se questionar por que achou aquilo romântico em primeiro lugar. E quando a gente não se questiona, ficamos estagnados e alienados e sempre exatamente no mesmo ponto.

Temos o privilégio de poder ler um infinito de livros diversos, e nos recusar a aproveitar esse potencial de senso crítico por medo de examinar melhor a nós mesmos parece um desperdício.

Então não, o abuso apontado não é uma opinião, um ponto de vista, é um fato imutável. E se você se deparar com alguém expondo algo do tipo sobre um romance que você curtiu, talvez seja melhor realmente questionar-se sobre o que leu, e como chegou aquela interpretação, do que taxar logo de opinião e seguir em frente.

Fazer uma leitura por prazer ou entretenimento não significa que precisamos deixar o nosso senso crítico adormecido. Além do mais, descobrir coisas novas e abrir os olhos para outras realidades não deveria ser visto como um problema, com relutância, mas sim uma oportunidade para crescer. E não existe vergonha nenhuma em crescer como pessoa.

Por fim, eu queria poder dizer "não me leve a mal, não é pessoal", mas a verdade é que é pessoal sim. Para mim e para todas as mulheres que já sofreram e ainda sofrem esse tipo de violência. Não dá apenas para abominar o machismo, é preciso ser anti-machismo, anti-misoginia e enfrentá-los de frente. É preciso apontar para quem ainda escreve esse tipo de narrativa romantizada e dizer "pare, não vou mais ler seus livros ou apoiar você. Você é parte do problema" porque é verdade.

Tudo aquilo que contribui para a manutenção da cultura do estupro é parte do problema - mesmo quando é a nossa omissão. E precisamos parar com isso já.

4 comentários:

  1. Oiii Bibs

    Concordo com tudo o que vc diz, também fico pasada com algumas opiniões que leio, em sua grande parte em livros eróticos porque lá tem muito isso do milionário seduzindo a secretária que a a principio reluta mas, vamos ele é CEO, então tá tudo bem. Acho revoltante, acho grotesco e acho assustador notar tal inversão de valores e até mesmo uma certa frieza. Romantizar abuso, estupro ou pedofilia (na minha opinião esse é o caso de Lolita, ela tinha 12 anos, acho que se enquadra até como pedofilia) é um tema que deveria ser discutido mais e mais nas redes, criar uma conscientização nas pessoas. A maioria das leitores desse tipo de livro é mulher e vê-las aceitando, achando normal e até bonitinho algo assim só demonstra o quanto a sociedade ainda precisa refletir mais e evoluir pelo amor de Deus

    Beijos

    www.derepentenoultimolivro.com

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  2. Olá, Bibs.
    Tem horas que eu nem acredito no que estou lendo, principalmente em alguns grupos no face. Vejo mulheres defendendo tudo quanto é tipo de abuso e achando tudo romântico. Eu nem leio mais New adults porque até agora não encontrei nenhum que não tivesse algum tipo de abuso. E quando comento sobre alguns com o povo, eu que sou muito exigente. Aff. E ciumes na minha opinião já é um abuso porque a base de todo relacionamento é a confiança. Não aceito é pronto. Gostei muito da sua postagem.

    Prefácio

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  3. Oie, tudo bem?
    Nossa, amei tanto esse texto.
    Tem coisas que NÃO são questão de interpretação; como você disse, são FATOS.
    E o que tem de livro usando abuso como se fosse romance... vish!
    Beijos,

    Priih
    Infinitas Vidas

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