Senhoras e senhores, eu estou cansada. Exausta, pra dizer a verdade, de ver relacionamentos abusivos, tóxicos, perigosos e perturbadores serem romantizados. De uns tempos para cá, quando me deparo com casais que são o suprassumo de tudo que é errado, acabo me assustando muito mais ao ver a reação de quem leu e gostou disso.
Porque me é impossível entender, especialmente hoje em dia, com tanta discussão a respeito de assuntos como violência contra a mulher (e, oi, violência não é só física), abuso (que também não é só físico), relações abusivas, não entra na minha cabeça que as pessoas consigam ler isso tão nitidamente em muitas obras e não associar ao que se critica no mundo real.
Tempos atrás eu me deparei com a leitura de uma trilogia nacional extremamente elogiada que tem como foco em um casal que, ouso dizer, é um dos mais perturbadores que já li até hoje. Sem citar nomes, cito os motivos: ele, o suprassumo da gostosura, o cara por quem a garota treme nas estruturas é 1) controlador; 2) machista; 3) obsessivo; 4) violento (a ponto de ousar machucar a mocinha em várias cenas, inclusive); 5) boçal (não encontrei palavra melhor para todo o comportamento de homem das cavernas dele, perdão); 6) abandona a garota por poder; 7) usa a garota por poder; 8) usa a garota para se sentir no controle; 9) usa o próprio drama como escudo para fazer a garota se sentir culpada; 10) quase deixou ela ser estuprada porque "não podia se envolver".
E, eu repito, essa série é elogiada, adorada, e tal personagem é o mais queridinho de todo mundo que leu até então. Você vê a problemática? Eu vejo muita problemática. Quem leu consegue enxergar isso, ou prefere fazer pouco caso? "É ficção, você precisa relevar". Uma ova que preciso. É ficção, e ficção retrata a realidade. Nota-se pela maneira com que um relacionamento abusivo é louvado, em vez de tratado como a problemática que é. E não pode-se dizer que foi criado como crítica porque a própria autora vende o personagem como um galã.
A Trilogia Grisha é uma das melhores coisas que já li, e me pergunto se o fandom leu a mesma coisa. Entra no Tumblr e procura sobre ela; a coisa que você mais vai ver é amor ao Darkling. Quem é o Darkling? O vilão. Mas não o tipo de vilão incompreendido, pobrezinho, sofrido da vida, que se encontrou na escuridão como um poder. Ele é um maníaco obsessivo disposto a manipular a protagonista, fingindo empoderá-la quando só a está usando. Ele foi um dos personagens mais bem construídos da trilogia exatamente por ser um monstro. Não do tipo que é feito, mas do tipo que aceita e desenvolve a própria monstruosidade. E era o favorito dos fãs para terminar a série ao lado da personagem principal.
Ai, que romântico, gente! Sempre quis um cara controlador e perturbado ao meu lado, um que vê meus poderes e não a minha pessoa; exemplo de interesse amoroso.
Real, um New Adult que, com a graça dos céus, é alvo de muitas críticas, foi outro dos que me assustou muito recentemente. E o engraçado é que a maioria dessas críticas cai em cima da garota - sim, é um porre ler ela se derretendo pelo personagem a cada olhar e respirada que o cara dá, é extremamente mal escrito, etc. Mas como é que as pessoas se irritam tanto com isso e não com o fato de que o Remy é um homem violento, dominador, o tipo que consegue distorcer fatos e acontecimentos pra usar a culpa da garota como o próprio instrumento de destruição dela. Como é que um livro me vende esse tipo de relacionamento como algo a ser espelhado? Onde, em toda a minha sanidade (e até em momentos insanos) eu iria querer viver essa história?
Porque é isso que livros fazem. Eles te apresentam uma história de amor, uma aventura, uma investigação. Eles te instigam, te enchem de curiosidade, fazem você querer mergulhar na narrativa e se tornar parte dela. Mesmo os terrores mais medonhos não me dão tanto medo quanto pensar que ainda existem livros romantizando o abuso - e ainda existe um público que não toma isso como ofensivo.
Sim, gente, as pessoas mudam. A minha pessoa de 15 anos não é a mesma pessoa de 22 hoje em dia. Eu já li relacionamentos perturbadores e achei uma graça. Mas eu também reli esses mesmos relacionamentos e pensei "Cristo misericordioso me salve". O post de hoje é uma indignação minha, um grito porque eu me cansei de passar por tantas obras contemporâneas e ver mais do mesmo. Pensar que essa geração de leitores e leitoras está pegando isso e pensando "é o que eu quero para mim", e que talvez nem metade volte a ler e faça uma análise mais profunda e perceba que "hm, esse tipo de relacionamento é o que eu quero num Boletim de Ocorrência da delegacia mais próxima.". Para e pensa. Esse post não existe para ser uma verdade absoluta, e eu não estou dizendo que 100% dos romances vendidos atualmente fazem esse tipo de coisa. Com a glória divina, a porcentagem é pequena. Mas está aí, e a gente está aqui. Se pudermos fazer alguma coisa, mesmo que só um post se indignando, temos que fazer.
Olá,
ResponderExcluirEu acho engraçado isso mesmo. Pode ver sempre em algum triangulo amoroso o favorito do povo é o cara que é o oposto do bonzinho. O cara mau. E depois de Cinquenta tons virou moda escrever livros parecidos, principalmente com protagonistas parecidos com o Grey que não passa de um abusador. Mas o cara é lindo e rico né? Então está tudo bem.
Prefácio
Oi! Eu acho super válido seu argumento e concordo. Infelizmente, muitos leitores e autores tem romantizado certos tipos de situações que normalmente condenaríamos se alguém fizesse com a gente. Eu particularmente gosto dos caras maus, mas nem sempre eles são o melhor para a mocinha, e nos vendem uma história onde eles podem ficar perfeitamente juntos, quando claramente há diversas diferenças entre eles. Isso é ridículo e se torna cada vez mais recente, espero que um dia as pessoas se toquem que isso não funciona exatamente assim na vida real.
ResponderExcluirAbraço! https://leitoraencantada.blogspot.com.br/
Olá
ResponderExcluirEu não sei se é porque minhas leituras são meio fora da curva, mas eu não me lembro de ter lido nada, ao menos não recentemente, sobre relacionamentos abusivos. O último, pelo que me lembro, foi 50 tons de cinza e até hoje não consigo entender a adoração das gurias pelo Grey. Sério mesmo. Pra mim, é doença. Amor não é assim, gente. Amor é companheirismo, um apoiando o outro a ir pra frente e não um se pendurando tentando trazer o outro pra baixo.
Acho que com a maturidade a gente aprende isso.
Vidas em Preto e Branco