Papo sério: erótico não é sinônimo de abuso e abuso não é romance! - Queria Estar Lendo

Papo sério: erótico não é sinônimo de abuso e abuso não é romance!

Publicado em 9 de set. de 2020

Papo sério: erótico não é sinônimo de abuso e abuso não é romance!

Ok, vamos falar mais alto dessa vez, para o pessoal do fundão ouvir também: histórias eróticas não são sinônimos para abuso e abuso não é romance! Mas então por que continuamos encontrando isso em livros e filmes por aí?

Por que é tão comum que um romance erótico seja abusivo e, ainda mais, que esse abuso seja romantizado e disfarçado de romance?

Eu honestamente achei que depois de escrever sobre abuso não ser romance uma vez, eu não precisaria fazê-lo de novo. Mas aí o mundo nos "presenteou" com 365 Dias e eu não pude ficar quieta.


Na realidade, acho que a pior parte de tudo é que eu não fiquei quieta nos últimos anos. Nem eu e nem dezenas de outras blogueiras que tive o prazer de cruzar o caminho pelas redes sociais. Não ficamos caladas especialmente porque abuso romantizado nunca deixou de ser feito e vendido sob o selo "maior romance do momento" e "queria um romance assim pra mim".

Sendo sincera, 365 Dias foi só o mais recente a tomar proporções gigantescas. E o que mais me surpreende é que, em se tratando da história, ele faz muito pouco para esconder o abuso sob a forma de romance. E ainda assim tem gente babando por ele.

E me perdoem se algumas das expressões ou palavras que eu usar aqui nesse texto forem um pouco pesadas demais, mas eu estou exausta de ter que falar sobre esse assunto. Estou realmente cansada de achar que estamos chegando a algum lugar e aí perceber que não, tem gente que ainda aplaude esse tipo de história. E, mais ainda, gente que cria elas de caso pensando só porque a fórmula vende.

Honestamente, eu teria vergonha de criar esses desserviço social e sair na internet com a cara limpa para dizer coisas como "romance dark é assim mesmo" e "é ficção, então tudo bem". Por que não está tudo bem não!

Não vou nem entrar no mérito de como essas obras podem chegar nas mãos de adolescentes. Vamos fazer de conta que grande parte do público desse tipo de romance não sejam adolescentes de 13 a 17 anos. Vamos fingir que apenas mulheres acima dos 18 anos leiam e assistam essas histórias.

Continua péssimo de todo jeito.

Porque desde cedo as mulheres aprendem a enxergar certas violências como amor. Se o coleguinha vive puxando seu cabelo, é porque ele gosta de você. Se o seu namorado não te deixa ter amigos homens, é porque ele tem muito ciúmes de você. Não é que ele não confie em você, ele não confia nos homens. E por aí vai.

Embora em 2020 discussões sobre relacionamentos abusivos e tóxicos sejam bem mais abertas e estejam aparecendo em diversos ciclos, virtuais ou não, eles ainda são a realidade de muitas mulheres. Mulheres que precisam ver mensagens positivas, emancipadoras e empoderadoras para compreenderem o ciclo de violência que estão vivendo.

Mas se o entretenimento que chega até elas é um que reforça a ideia de que abuso é romance, como conseguimos mudar a realidade delas?

E não podemos continuar aceitando esse tipo de narrativa escondida sob o manto de "romance dark" ou "literatura transgressora". Porque histórias desse tipo são abuso romantizado e pronto. Histórias dark e transgressoras não escondem a natureza da violência. 

Narrativas dark e transgressoras colocam as coisas como elas são, trazem sim a violência, muitas vezes trazem criminosos como protagonistas. Mas nada disso é sinônimo de abuso romantizado. Um estupro continua sendo um estupro em um romance dark/transgressor, ainda que a personagem justifique o ato para si mesmo ou o veja como algo natural, a narrativa e a condução da história deixam claro que não. Aquilo é tão errado no livro quanto seria no "mundo real".

Então porque pensamos - e defendemos! - livros e filmes como 365 Dias ou 50 Tons de Cinza? Como é possível olhar para uma vítima de sequestro e pensar "ah, sim, esse sim é o começo de uma história de amor maravilhosa"?

Eu realmente não entendo como funciona a mecânica de ver alguém temendo pela própria vida, prensada contra a parede, sabendo que ele pode matar ela e sumir com o corpo e ninguém nunca vai saber o que aconteceu com a mocinha, e pensar "nossa, que empolgante!"

Até onde vamos levar esse tipo de narrativa? Até onde vamos continuar batendo na tecla do "é só ficção"? Porque, sejamos honestas, não é só ficção! Quantas mulheres já experimentaram romances abusivos do tipo? Já tiveram a vida ameaçada, foram obrigadas a cortar laços com amigos e familiares, foram mantidas em cativeiro privado, espancadas, perderam suas vidas para esse tipo de violência que agora jogamos na ficção e chamamos de romance?

O quanto conseguimos ser coniventes com esse tipo de narrativa ao mesmo tempo em que nos intitulamos, por exemplo, aliadas, antirracistas, feministas? Qual é o peso que narrativas do tipo tem no ciclo da violência contra a mulher? Na manutenção de pensamentos e comportamentos violentos e condescendentes? 

Se entendemos a violência física como o resultado de uma cultura tóxica, alimentada não só por ações, mas por palavras, piadas e estereótipos, então como não entendemos histórias do tipo como um degrau na construção que leva até atos de violência? Onde fica a nossa responsabilidade social no meio de tudo isso?

2 comentários:

  1. Olá, Bianca.
    Infelizmente é 5% das pessoas que pensam assim. O que vi de mulheres brigando em grupos do facebook para defender o filme 365 dias. E querendo estar no lugar da protagonista. Meu Deus e um absurdo sem tamanho. E tem autores que só escrevem sobre isso e romantizam tudo e o povo defende. E não acho que seja por causa do gênero não porque já li romances dark onde claramente existe o abuso e o autor deixa claro que nada daquilo é certo, não romantiza nada. Acho que o conceito de amor se perdeu, porque desde criança entendo que amar é cuidar, tratar bem. Como você se apaixona por alguém que só te trata mal? Mas infelizmente é o que vende e enquanto tiver pessoas comprando os autores vão continuar escrevendo.

    Prefácio

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  2. Oi, eu não cheguei a ler o livro e nem vi o filme, mas eu ouvi diversos comentários e críticas unegativas à respeito da trama, eu acho muito válido e muito importante que as pessoas falem disso, porque é como dizem "a arte imita a vida", não é só ficção, eu agradeço pelo post e digo que ele é muito importante. Beijos!

    https://resenhabookshouse.blogspot.com/?m=1

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