Resenha: A Filha do Doutor Moreau - Silvia Moreno-Garcia - Queria Estar Lendo

Resenha: A Filha do Doutor Moreau - Silvia Moreno-Garcia

Publicado em 6 de abr. de 2023

Resenha: A Filha do Doutor Moreau - Silvia Moreno-Garcia

Mais um livro da Silvia Moreno-Garcia concluído, mais uma história favorita para panfletar. Diferente de Gótico Mexicano, A Filha do Doutor Moreau é uma história sobre amor e fúria. Se afasta do horror físico que poderia evocar para focar muito mais no psicológico. E eita que trama poderosa que ela conta aqui.

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Na trama, acompanhamos os anos 1871 e 1877 em uma hacienda escondida no meio da floresta de Yucatán. Em Yaxaktun, como é chamado o lugar, um médico francês chamado Doutor Moreau desenvolve experimentos em híbridos de humanos com animais, financiado por um rico fazendeiro que busca, nesses híbridos, mão de obra competente e servil.

Carlota é filha de Moreau. Uma jovem mulher excepcionalmente gentil e querida que cresceu para agradar o pai. Montgomery é o responsável pelos híbridos e pelos cuidados do lugar. Não se questiona o que é feito ali, porque tudo parece por um bem maior.

Até que, em 1877, uma visita inesperada coloca toda a rotina de Yaxaktun. O filho do rico fazendeiro se aproxima de Carlota, e os segredos tão bem escondidos naquele paraíso podem se tornar pesadelos.

Resenha: A Filha do Doutor Moreau - Silvia Moreno-Garcia

A Filha do Doutor Moreau é um livro rápido. Inspirado no clássico de H.G. Wells, A Ilha do Doutor Moreau, traz uma releitura instigante que fala principalmente sobre amor e fúria.

Os pontos de vista variam entre Carlota e Montgomery. Muitas vezes, as cenas se repetem para que se forme um panorama completo do que os dois estão vivendo ali em Yaxaktun. Não apenas em sua rotina, mas principalmente quando ela vira de cabeça para baixo com a chegada dos jovens curiosos.

Significa que a natureza não dá saltos.

Silvia Moreno-Garcia usa essa releitura para explorar um território novo. Ao centrar a história no México, ela traz discussões sobre colonialismo, a caça aos indígenas e a guerra de interesses entre países britânicos e o México.

É uma ficção histórica que flerta com outros gêneros de maneira bastante sutil e bem encaixada na trama. O sci-fi está ali nos diálogos sobre ciência, genética e nos bizarros experimentos desumanos que Moreau faz em seu laboratório. O complexo de deus que ele carrega, e como isso se desenrola na história, é perturbador.

E a maneira com que ele usa o seu conhecimento e sua lábia para fazer parecer que grandes revoluções estão sendo criadas ali é revoltante. Mas funciona muito bem para ajudar a construir uma leve tensão; principalmente quando estamos acompanhando o ponto de vista de Carlota.

É melhor não convidar a má sorte falando sobre ela.

Essa jovem mulher é apaixonada por Yaxaktun e por tudo que há ao seu redor. Apesar de curiosa, ela vê nesse pequeno canto do mundo o seu mundo todo. Nos híbridos, ela vê a sua família. Em Montgomery, uma figura interessante e igualmente inalcançável. E, em seu pai, a peça mais importante dos caminhos que trilha.

Resenha: A Filha do Doutor Moreau - Silvia Moreno-Garcia

Aos poucos, no entanto, a autora desconstrói essa moça criada para agradar e ser cuidadosa, gentil, calma. Ela aos poucos descasca a personalidade de Carlota para mostrar que há sombras e raiva guardadas lá no fundo. Só precisa do momento certo para fazê-las virem à tona.

E quando elas vêm... Eita, que coisa boa ler a raiva feminina tão bem escrita. Assim como acontece com a Noemí em Gótico Mexicano, tem um desenvolvimento muito notável nas atitudes da Carlota. Ela parece submissa, mas na verdade ela sente o dever de ser submissa. Quando aprende a erguer a voz, mostra o poder que tem.

Somos todos peças no jogo de xadrez de mogno e marfim do seu pai. Mas você é a rainha, e pode se mover livremente pelo tabuleiro, em todas as direções.

E Montgomery! O que falar do personagem que roubou o meu coração? Tão inesperadamente, inclusive. Porque eu não sabia que esse caçador de coração quebrado se tornaria um protagonista tão interessante.

A relação dele com o Moreau, com a Carlota e esse lugar é muito complexa. Ele chega à Yaxaktun porque é um lugar distante do mundo que muito o perturbou; ali, acaba encontrando um lar. Assim como a Carlota, ele vê nos híbridos uma família. Mas, diferente dela, vê no Moreau um problema crescente e perturbador.

Eu gostei demais da personalidade e das atitudes dele. Amo um personagem fodido da cabeça, e o Montgomery definitivamente é um.

"Você acredita ser Moisés?" 
"Seu pai acredita ser Deus."

Eu não esperava, inclusive, que A Filha do Doutor Moreau me fizesse sofrer por um casal. Mas eu sofri. Ah, como eu sofri. O romance é sutil, só uma possibilidade jogada em meio aos inúmeros outros temas tratados ali. Mas uma possibilidade intensa, sofrida e muito bem trabalhada.

A questão com os experimentos do doutor é tratada de maneira muito mais humanizada. O horror não está nos híbridos ou nas suas mutações físicas. O horror está no homem branco que os criou. E só nesse ponto a autora já explora discussões poderosas e perturbadoras sobre o ego e o anseio desse complexo divino.

Tem todo um peso histórico nas pesquisas da Silvia e em como ela fala sobre as perseguições aos indígenas também, e a resistência contra os colonizadores. É um cuidado muito notável e se entrelaça à narrativa de dos híbridos, porque, aos olhos dos invasores, eles também "não fazem parte desse cenário".

Resenha: A Filha do Doutor Moreau - Silvia Moreno-Garcia

A participação dos híbridos é muito querida, porque eles realmente são uma família. Lupe e Cachito têm mais destaque, tendo crescido com a Carlota. Lupe sonha com o mundo lá fora, e não pode alcançá-lo porque o mundo não seria gentil com ela. E Cachito é curioso e igualmente cuidadoso, muito mais próximo de Montgomery (que, a meu ver, parece muito com uma figura paterna para ele; ou pelo menos de um irmão mais velho).

As visitas ao lugar e as reviravoltas que elas trazem funcionam melhor com as surpresas. Mas eu deixo aqui o meu total desprezo pela ambição e por um personagem específico que, se eu pudesse, entrava no livro para arranhar toda a cara.

Eu li o livro em inglês e em partes foi um desafio, em partes foi bem suave de acompanhar. A edição brasileira saiu pela Melhoramentos, com tradução de Bruna Miranda, e parece bem bonita!

A Filha do Doutor Moreau é uma leitura rápida e certeira para quem busca tensão, bizarrice e uma surpreendente trama sobre amor. Também é uma leitura muito indicada se você busca um arco de raiva feminina que vai te deixar vibrando por mais. Silvia Moreno-Garcia acerta mais uma vez, pessoal.

Sinopse: Carlota Moreau cresce em uma propriedade distante e luxuosa, a salvo dos conflitos da península de Iucatã. Ela também é a filha única de um pesquisador que, para alguns, é um gênio e, para outros, um lunático. Já Montgomery Laughton é o melancólico supervisor da propriedade, que guarda os segredos de um passado trágico e uma propensão ao álcool. E há também os híbridos, frutos do trabalho do cientista, destinados a obedecer cegamente ao seu criador e permanecer nas sombras. Todos vivem em um mundo perfeitamente equilibrado e estático, de repente sacudido pela chegada abrupta de Eduardo Lizalde, o filho encantador e descuidado do patrono do dr. Moreau. Esse acontecimento iniciará uma perigosa reação em cadeia. Pois Moreau guarda segredos, Carlota tem perguntas e, no calor sufocante da selva, as paixões podem inflamar.

Título original: The Daughter of Doctor Moreau
Autora: Silvia Moreno-Garcia
Editora: Melhoramentos
Tradução: Bruna Miranda
Gênero: Ficção histórica | Ficção científica
Nota: 5+


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