Eu não sei se eu consigo resenhar esse livro, mas vou fazer o meu melhor. Ainda estou aqui, de Marcelo Rubens Paiva, é uma jornada pela vida dessa família para sempre mudada pelos horrores da ditadura no Brasil, pela força de Eunice Paiva, pelo trauma e pela busca por justiça.
Se você se interessou por essa leitura, vai querer ler:
Em janeiro de 1971, Rubens Paiva foi preso, torturado e morto pelas mãos dos militares que comandavam a ditadura no Brasil. Sua família ficou às traças, sem saber seu paradeiro, seu destino, sem justiça. Eunice Paiva, mãe de cinco filhos, viúva sem uma certidão de óbito, sem uma resposta, sem um parecer, resistiu. Foi a força motriz de uma família que muitos queriam tratar com coitadismo, mas que jamais se rendeu a isso. Ela se reinventou. Se formou advogada, lutou pelos direitos dos indígenas e de famílias que foram vítimas da ditadura.
Ainda estou aqui é um retrato dos inúmeros horrores que correram pelo Brasil ditatorial. É um recorte da história dessa família específica, do terror que foi perder o patriarca de maneira abrupta e hostil, arrancado da sua casa por agentes de um governo cada vez mais opressor. Do pesadelo que se estendeu por anos sobre os Paiva, com as mentiras e reinvenções que os militares usaram para esconder o crime cometido contra Rubens Paiva.
Esse é o tipo de livro que eu chamo de necessário. Para todo e qualquer leitor, para todo e qualquer brasileiro. É um exemplo histórico do que vivemos há tão pouco tempo, de um período que jamais deve ser esquecido e perdoado. É um momento da vida dessa família que, assim como inúmeras outras, sofreu e foi reprimida, silenciada e alquebrada pela ditadura militar no Brasil.
Os relatos de Marcelo Rubens Paiva vão da visão de um garoto jovem demais para lidar com tudo aquilo para um adulto confrontando todo aquele horror do passado. Suas lembranças têm aquele toque de infância, de adolescência e juventude, ao mesmo tempo em que são relatos pesados sobre perder um pai de maneira tão cruel, de ver a mãe resistindo quando a resistência era tão frágil.
A família Rubens Paiva não é vítima da ditadura, o país que é. O crime foi contra a humanidade.
Ainda estou aqui é o nome perfeito para a história de Eunice Paiva. Uma mulher forte, tão tão forte, que nunca quebrou diante das câmeras, que chorava escondida até mesmo dos filhos. O tanto que ela resistiu e o poder da sua reconstrução quando o mundo esperava que ela se dobrasse à dor da perda (que, na época, nem era uma perda realmente, porque eles não sabiam o destino de Rubens Paiva, não tinham certeza de nada além do fato de ele ter se tornado uma lembrança em suas vidas).
O terror da ditadura está nos relatos, nos arquivos que Marcelo Rubens Paiva resgata, nas descrições do terror que foram os poucos dias de Rubens Paiva preso e torturado no DOI-Codi, no fato de ter acontecido há tão pouco tempo; tem torturador do Rubens Paiva solto por aí, vivendo como se não tivesse sido parte de um esquema corrupto e maldito da tomada de poder e da repressão absoluta da liberdade dos cidadãos.
A tortura é um regime, um Estado. Não é o agente fulano, o oficial sicrano, quem perde a mão. É a instituição e sua rede de comando hierárquica que torturam. A nação que patrocina. O poder, emanado pelo povo ou não, suja as mãos.
Não é um livro sombrio por completo porque tem o renascimento da Eunice Paiva. A construção da grande advogada que ela se tornou, lutando pelos direitos dos povos indígenas quando a história fazia questão de esquecê-los. A mãe presente, ainda que não tão emotiva, que ela sempre foi pelos filhos. A vida grandiosa que ela viveu, ainda que houvesse uma parte precisando de um ponto final - ponto final esse que só conseguiram depois dos anos 2000, com a lavragem da certidão de óbito de Rubens Paiva.
O livro também trata da questão de Alzheimer que Eunice Paiva desenvolveu. O autor ilustra, de maneira bem clara, as dificuldades de conviver e de viver com a doença, com lembranças da mãe e do avanço do Alzheimer nela. É nu e cru.
Ainda estou aqui é o tipo de leitura que fica com você quando acaba. Me abalou e emocionou, me fez chorar e me fez revoltar. Um livro que deveria estar nas estantes de todo brasileiro que se importa com a liberdade, com o país e com a vida.
Sinopse: Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento obscuro da história recente brasileira para contar - e tentar entender - o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.
Título original: Ainda estou aqui
Autor: Marcelo Rubens Paiva
Editora: Alfaguara
Gênero: Não-ficção | Biografia
Nota: 5
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