Resenha: Ritmo de Guerra - Brandon Sanderson

Ritmo de Guerra (no original, Rhythm of War) é o quarto volume da série Os Relatos da Guerra das Tempestades, iniciada em O Caminho dos Reis. Nesse livro, a colisão de acontecimentos da Cosmere coincide com a grandiosidade da guerra contra Odium que está por vir.

Esta resenha vai conter spoilers dos livros anteriores: O Caminho dos Reis, Palavras de Radiância e Sacramentadora.

Depois de uma vitória sofrida, tempo decorreu sobre Urithiru e os vencedores. Mas foi apenas uma batalha; a guerra contra as forças de Odium está apenas começando. Fato é que Roshar ainda corre grande perigo, e cabe aos Radiantes a tarefa de confrontar aqueles que lutam pelo inimigo.

Um plano de reconquistar um território perdido dá a abertura que as forças inimigas precisavam para abalar a estabilidade do recém-formado reino de Urithiru; ao mesmo tempo em que uma viagem para Shadesmar busca reacender antigas alianças fragmentadas por traição.

Ritmo de Guerra é um senhor calhamaço, por isso essa vai ser uma das resenhas mais complicadas de fazer. Não apenas por ser enorme, mas porque é o quarto livro de uma série com um mundo tão vasto e uma quantidade de personagens tão crescente que é quase impossível falar sobre todos, ainda que todos merecessem um espaço no meu texto.

A história se firma nos personagens de sempre: Kaladin, Shallan Dalinar são os que eu considero pilares da série, sim, mas aqui quem brilha é quem, até então, participou ativamente dos bastidores, ganhando merecido destaque nesse momento da trama. Do lado dos Radiantes, Navani, Rlain, Adolin se tornam força em suas próprias histórias, gerando um sopro de novidade no jeito com que a história principal está sendo contada.

Ao mesmo tempo, a narrativa também continua a nos levar pelo lado do inimigo, dando potência aos capítulos dos agora chamados singers (e dos Fused), aqueles conectados intrinsicamente a Roshar, que por muito tempo foram subjugados e escravizados. Fortificados pelas forças de Odium, eles agora são um poder a temer. E também a entender.

Com uma complexidade ímpar, Ritmo de Guerra conecta personagens e histórias sem jamais deixar de pintar seus tons de cinza. Nenhum lado é perfeito; todos carregam seus demônios, cicatrizes e medos. Todos os personagens compõem um leque interessantíssimo de personalidades, histórias e jornadas.

Exceto o Moash. Aquele bosta.

"Viagem antes do destino, seu desgraçado."

Para minha grande surpresa, a personagem que mais se destacou nesse livro para mim foi a Venli. Uma singer que até então permanecia à sombra da irmã, agora vivendo sua história de incertezas fragmentadas, com medo de quem pode se tornar - com receio de quem foi. Que personagem maravilhosa! Eu sofri com ela, torci por ela, fiquei com raiva dela; senti tudo e mais um pouco no decorrer das páginas, sem perceber o quanto estava considerando ela uma favorita.

Navani foi outra grata surpresa. Rainha duas vezes, ela carrega cicatrizes que até então não tínhamos conhecido, mas o livro dá espaço para desenvolver. Suas inseguranças marcam sua jornada. Eu achei a relação dela com uma personagem-chave com quem interage em 80% do livro tão interessante que ficava hipnotizada com as conversas, trocas e com a tensão entre as duas. Nunca dava para saber para onde as interações iam, mas isso que as tornou tão curiosas.

Raboniel foi outra força da história, mas falar muito dela é entregar toda a sua complexidade. Leshwi, idem. Ambas comandantes de suas respectivas forças junto aos Fused e ao exército de Odium, essas duas trouxeram uma riqueza pra história, tornando a moral ainda menos linear.

Ninguém nunca conquistou alguma coisa se contentando com quem é, Shallan. Nós conquistamos coisas grandiosas tentando alcançar quem podemos nos tornar."

Ritmo de Guerra também dá muito destaque aos personagens já consagrados. Kaladin tem, mais uma vez, um dos papeis mais importantes da história. Gostei tanto de como o Brandon Sanderson abordou os traumas, a depressão, os transtornos que ele desenvolveu no decorrer dos livros, construindo bem demais o que ele está vivendo nessa fase da sua própria jornada. A presença da Syl é uma âncora para ele não despencar nas sombras, mas nem mesmo ela é capaz de salvá-lo se ele não quiser ser salvo; e como me doeu, como fez chorar as provações que meu menino viveu aqui!

Shallan também tá vivendo um momento sombrio, mas, diferente do Kaladin, ela se esconde atrás da Veil e da Radiant, usando as suas outras facetas para encarar os tenebrosos caminhos que ela, como Lightweaver e como espiã, precisa trilhar. O plot da Shallan em Ritmo de Guerra é cheio de reviravoltas de cair o queixo, e não terminam até o fim do livro!

Adolin se destacou quando eu menos esperava. O meu playboy favorito ganhou contornos e ainda mais profundidade com a sua missão nessa parte da história, mostrando seu coração grandioso numa provação que meu deus do céu, quanta burocracia!

Dalinar, por fim, segue um bastião de honra, estoico até o fim, mas com fragilidades em sua postura. Ele tem menos participação ativa nesse volume do que nos outros, mas, sempre que aparece, é pra causar. Especialmente em relação ao grande esquema da guerra, que segue crescendo e me enchendo de desespero!

"Por que você luta, Kaladin Stormblessed?"

Ritmo de Guerra é, como o nome diz, uma grande preparação para o que está por vir. O significado por trás do nome, aliás, me pegou de surpresa; gostei de como foi usado, de como apareceu e mostrou sua importância.

Tem tantos personagens mais de que eu queria falar, mas a graça desse livro está justamente em vê-los se destacando conforme a trama dá espaço para isso. Teft, Jasnah, Wit, Rlain, Lift, Taravangian (maldito seja), Szeth, todo mundo tem muita importância quando é preciso, todo mundo brilha demais em seus momentos mais grandiosos, mostrando a que vieram e por que vieram.

"Mas vai melhorar. E então vai piorar de novo. E vai melhorar mais uma vez. Assim é a vida, e eu não vou mentir dizendo que todo dia vai ser ensolarado. Mas o sol vai nascer novamente, e dizer isso é diferente. É a verdade. Eu prometo a você, Kaladin."

Nightblood também! Minha espada favorita! MVP de Ritmo de Guerra.

Uma coisa muito pontual sobre esse livro é a ironia: o título fala da guerra, mas ele, dentro da série, é o mais estagnado. Os núcleos da história são poucos, concentrando-se na maior parte do tempo em Urithiru e na situação de sequestro que a torre está vivendo. Se concentra principalmente na psiquê dos personagens, dando força às suas emoções mais sombrias. Aborda o TEPT do Kaladin com sensibilidade, as fragilidades de Venli,  Adolin, Shallan e de Navani com consciência, fala sobre o preço da guerra através do medo e das vítimas. Tem seus momentos de ação, sim, mas eu diria que 80% do livro é de contemplação. E ponto para ele por isso, porque aprofunda a sua história numa complexidade ainda maior.

Claro que entrega também o que a gente já espera do Brandinho: reviravoltas chocantes, revelações avassaladoras, um Sanderlanche que me fez arrancar os cabelos e, principalmente e acima de tudo, o que eu considero um dos livros mais importantes da Cosmere. Tem uma quantidade exorbitante de citações e explorações dos mundos e do universo compartilhado, o que deixa bem claro para onde o Brandon quer caminhar com esse universo.

Eu poderia passar horas escrevendo sobre esse livro, mas Os Relatos da Guerra das Tempestades é uma série tão crescente e impressionante por sua consistência, carisma e coração que só posso insistir para que você vá lá conhecer. Ritmo de Guerra é só mais uma prova de que o Brandon Sanderson criou sim uma das maiores histórias de fantasia da história. E, se você ainda não viajou pra Roshar, dá tempo  de fazer isso!

Título original: Rhythm of War
Autor: Brandon Sanderson

Editora: Tor
Gênero: Alta fantasia
Nota: 5
SKOOB