Resenha: Impostora (Yellowface) - Rebecca F. Kuang - Queria Estar Lendo

Resenha: Impostora (Yellowface) - Rebecca F. Kuang

Publicado em 15 de jul. de 2024

Resenha: Impostora (Yellowface) - Rebecca F. Kuang

Ela fez novamente! Rebecca F. Kuang escreveu outra obra prima. Impostora (Yellowface) é uma ópera cheia de tragédia e carnificina psicológica envolvendo ele: o mercado editorial.

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June é uma escritora fracassada. Seu único livro foi muito mal no lançamento e ela não tem perspectiva de continuar no mercado com esse flop. Pior ainda é acompanhar a sua "amiga" Athena Liu, autora best-seller que está fechando contratos a rodo e segue um sucesso de vendas e crítica pelo mundo. Ela é o que June sempre quis ser.

Quando um acidente trágico tira a vida de Athena, June encontra uma oportunidade de ouro: o manuscrito secreto de Athena está em suas mãos. Ela é a única que sabe sobre esse livro, e é uma obra boa demais para ficar guardada. Uma história sobre a diáspora chinesa que se passa durante a Segunda Guerra Mundial que muito falava com Athena, sendo filha de chineses, mas pouco com June, uma mulher branca.

Para ela, pouco importa. O livro tem potencial, e ela o reescreve buscando o estrelato. A reconquista do seu lugar no mercado. Quando ele bomba nas vendas e nas críticas, June se sente no céu. Até que o inferno começa a persegui-la através de críticas e do que parece um fantasma rondando cada passo seu.

Resenha: Impostora (Yellowface) - Rebecca F. Kuang

Impostora (Yellowface) é um livrão. Acompanhamos o ponto de vista da June, o que nos coloca diretamente dentro da cabeça da antagonista da história. E é cômico, quase escrachado, entendê-la.

June é uma caricatura da mulher branca medíocre. Ela culpa todos os outros pelo seu fracasso, menos ela mesma. E não entenda isso como uma personagem exagerada, não! Rebecca F. Kuang escreve a June com perfeição; ela é comum, e por isso é tão assustadoramente engraçada.

A partir do momento em que rouba o livro inédito de Athena e o lança como seu, June se vê como a estrela da situação. Ela escreveu. Ela colocou seu suor e suas lágrimas nesse manuscrito. Athena só fez a primeira versão dele, June é quem foi além. Quem deu vida à história. Pouco importa o racismo exacerbado que moveu cada mudança sua, ela só fez isso para melhorar a história! Pessoas brancas não conseguiriam entender o nome daquele personagem chinês, foi mais fácil adaptar! E daí que ela deu um arco de redenção para o homem branco da história? Homens brancos racistas também merecem uma chance de se redimir.

Quando as críticas começam a cair sobre ela, quando a comunidade chinesa, principalmente, começa a vê-la como uma apropriadora de cultura e do sofrimento alheio, June se entende como vítima. E, cara, como é cômico. Revoltante ao extremo, porque o tempo todo ela reafirma como ela é a única coitada da história, como Athena sempre foi uma pessoa egoísta, como roubou coisas suas também, então é seu direito fazer o mesmo!

June é a pobre garota branca que, na primeira oportunidade de cometer um crime para subir na vida, não pensa duas vezes em fazê-lo. Afinal de contas, a vida deve isso para ela! Ela também sofreu! Só porque ela não é uma pessoa amarela, ela não tem o direito de contar a história desses homens chineses? Isso é racismo reverso! É preconceito contra ela, por ser branca!

Athena, a musa morta. E eu, a amiga em luto.

O tom do livro é esse. E é impossível não rir, de incredulidade. Ainda mais quando você conviveu um pouquinho com o mercado literário e sabe que esse não é um caso fictício. Tudo que a Kuang coloca nesse livro é real. A ascensão da protagonista pode ser agridoce para a gente que está lendo, mas é uma montanha-russa de tensão e de reviravoltas para ela, quando se aproxima da sua queda.

Porque mentira tem perna curta, no fim das contas. E Impostora (Yellowface) faz muito bem em desenvolver o nervosismo de que, a qualquer momento, a verdade pode vir à tona. Mas como, se a Athena está morta e era a única que sabia sobre o livro? Pelo menos, é o que a June acha.

Resenha: Impostora (Yellowface) - Rebecca F. Kuang

Os bastidores do mercado editorial estão bem escrachados aqui pela autora. Eu tenho certeza que ela queria apontar dedos e fazer críticas bem afiadas com as coisas que colocou no livro, porque é impossível não ler e pensar "isso com certeza foi indireta para alguém do mercado real". É tudo muito crível, ainda que nesse tom tragicômico. É tudo muito bem orquestrado.

A June é uma personagem solitária, sem amigos ou família para apoiá-la, mas o mercado a cerca de pessoas. E nenhuma delas se importa realmente com ela, mas com o produto que ela se tornou; mostra bastante como a arte, por si só, não importa. Nunca importou. Os livros são parte do mercado, como qualquer outra coisa. E enquanto o lucro fizer valer a pena, moral, uma imagem limpa e até mesmo relações traiçoeiras pouco importam.

Para ela, também. Ela fala muito sobre como a criação e a arte são partes intrínsecas do seu ser, mas, no fim das contas, o que mais importa para a personagem no livro todo é o que essas criações trazem. Nada do que ela cria é original; nada que vem dela exacerba esse amor pela criação. Suas composições não importam.

O que mais nós podemos querer, como escritores, do que a imortalidade?

Yellowface (Impostora) é um tapa na cara do mercado dos livros, de editores, de autores, de blogueiros, das redes sociais, de impostores. É uma história afiada sobre o preço da fama e a sede por ela. Sobre corrupção moral e social, sobre como funciona a cabeça de alguém que só se importa consigo mesma.

Resenha: Impostora (Yellowface) - Rebecca F. Kuang

June pode ter seus rompantes de culpa, mas ela é uma psicopata manipuladora sim. Como ela pensa, como ela pensa, como ela age, tudo isso revela muito sobre o que ela esconde dentro de si. O final, principalmente, destaca muito isso. É tão genial e diabólico da parte da Kuang terminar daquele jeito, mas é realmente o fim perfeito para essa história.

Reputações no mundo literário são construídas e destruídas, constantemente, online.

Eu li a versão em inglês e, a quem se interessar, a narrativa é bem fácil de acompanhar. Se você tem costume de ler em inglês, não vai ter problemas com a versão original! A versão brasileira chega pela Intrínseca em Agosto.

Impostora (Yellowface) é um livro forte. Usa e abusa do tom tragicômico e dos absurdos que existem dentro da cabeça da protagonista para escancarar a hipocrisia do mercado, e ainda oferece doses de tensão e de reviravoltas para impedir você de parar de ler.

Sinopse: As escritoras June Hayward e Athena Liu se formaram em Yale e publicaram seus romances de estreia na mesma época. Tudo indicava que chegariam juntas ao estrelato, mas, pouco depois da graduação, Athena começou a colher louros literários, enquanto June recebeu apenas migalhas de reconhecimento. Afinal, ninguém aguenta mais ler histórias de mulheres brancas ― ao menos é o que June pensa. Quando Athena morre em um estranho incidente, June decide que chegou seu momento de brilhar. Por impulso, ela rouba o manuscrito do novo livro da amiga, uma obra experimental sobre a relevância dos trabalhadores chineses durante a Primeira Guerra Mundial. O texto é brilhante. E June recebe uma proposta de publicação de sua editora, que sugere um reposicionamento de mercado. E se ela passasse a usar um nome ambíguo, como Juniper Song? June aceita, pois se uma história é boa, precisa ser contada. E as listas de mais vendidos a fazem acreditar que está no caminho certo. Mas alguém parece saber que a obra-prima de Athena Liu foi roubada, e debates sobre plágio e identidade racial ganham as redes sociais. June então percebe que não poderá escapar desse fantasma para sempre. Do que ela será capaz para proteger o sucesso que acredita merecer?

Título original: Yellowface
Autora: Rebecca F. Kuang
Editora: The Borough Press
Gênero: Suspense
Nota: 5+


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